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11 jan., 2022
AO INVÉS DE REDUZIR A BUROCRACIA, O NOVO MARCO ABRE PORTAS PARA O EXCESSO DE REGULAÇÃO NO SETOR Por Rodrigo Vieira das Neves de Arruda Embora o ser humano, algumas vezes, se assuste com novidades, elas sempre empolgam e nos deixam com a sensação de que estamos avançando, progredindo e, até mesmo, superando algo obsoleto rumo a modernidade, ainda que seja apenas por alguns instantes. No caso do setor energético não foi diferente, houve um enorme furor com a reforma do marco regulatório gaseífero, desde que se apresentava como um embrionário projeto, o qual foi aumentando conforme sua tramitação avançava e chegou ao ápice quando passou a produzir efeitos no mundo jurídico. A recém sancionada Lei n° 14.134/2021 , chamada de “nova lei do gás”, foi muito celebrada pelos órgãos reguladores e, até mesmo, por parte dos estudiosos do setor de energia, como sendo capaz de atrair novos investidores no mercado, aumentar a concorrência e gerar mais competitividade para reduzir os custos de produção e o preço final para o consumidor. Nos debates acerca do tema, é muito comum se ouvir que a Nova Lei do Gás seria um marco transformador no desenvolvimento de um novo mercado de gás natural no Brasil, pois promove a modernização do setor, em linha com as melhores práticas internacionais. Além disso, o Governo Federal informou que as estimativas projetadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) são de que este novo marco regulatório gere investimentos entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões, com a produção de gás natural triplicando até 2030. A nova Lei do Gás poderá gerar quatro milhões de empregos em cinco anos e acrescentar 0,5% de crescimento ao PIB nos próximos dez anos1. Entretanto, uma leitura mais minuciosa do texto aprovado faz nosso otimismo frear, ao vislumbramos que, na realidade, não se buscou a tão enaltecida segurança jurídica, mas sim controle estatal excessivo, com a criação de regras que, muitas delas, são contraditórias entre si, como, por exemplo, o uso de autorização em vez da concessão para a exploração do transporte de gás natural pela iniciativa privada, tendo que, para tanto, desconsiderá-la como prestação de serviço público, pois que a autorização apenas pode ser utilizada para atividades privadas. O novo marco regulatório do gás diz ainda que as autorizações não terão tempo definido de vigência e somente podem ser revogadas a pedido da empresa nas seguintes situações: se ela falir ou descumprir obrigações de forma grave; se o gasoduto for desativado ou se a empresa interferir ou sofrer interferência de outros agentes da indústria do gás, indo na contramão do direito administrativo clássico, que define a autorização como ato precário. Outra medida que merece ser destacada é o fato de o texto vedar que uma mesma empresa possa atuar em todas as fases, da produção e extração até a distribuição, sob a justificativa de favorecer a desconcentração do mercado, impedimento que faria mais sentido caso se tratasse de serviço público. Na mesma linha, o texto da lei estabelece que a ANP deverá acompanhar o mercado de gás natural para estimular a competitividade e reduzir a concentração, usando mecanismos como a cessão compulsória de capacidade de transporte, escoamento da produção e processamento; obrigação de venda, em leilão, de parte dos volumes de comercialização detidos por empresas com elevada participação no mercado; e restrição à venda de gás natural entre produtores nas áreas de produção, se apresentando como mais uma intervenção Desse modo, a chamada “nova lei do gás, ao invés de resolver todos os problemas a que se propunha e trazer maior modernização e segurança para o setor, em linha com as melhores práticas da indústria internacional, acabou por trazer uma regulação quase soviética para o setor, com excesso de intervenção estatal, e que à médio e longo prazo poderá ser um verdadeiro Cavalo de Troia para os agentes regulados e quem hoje comemora como sendo, ela, sinal de avanço do setor energético nacional. NOTAS: 1 – Informações retiradas do site Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/bolsonaro-sanciona-nova-lei-do-gas – Acesso em: 09/04/2021. Sobre o autor: Rodrigo Vieira das Neves de Arruda responde pela área de Regulatório e Energia do Escritório Pinheiro Pedro Advogados . Advogado formado pelo IBMEC – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – RJ e Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, é membro efetivo da Comissão de Direito da Energia da OAB/SP e professor dos Cursos de Especialização em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM). Foi assessor da Procuradoria Federal na ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Autor de várias obras publicadas, com destaque para o “Vade Mecum da Infraestrutur do Petróleo” e “Dicionário Jurídico do Petróleo” (ambos pela Ed. Riedeel – co-autor). Detentor do “Prêmio IBMEC de Excelência Acadêmica (2015).
11 jan., 2022
Texto da apresentação proferida na Conferência Internacional “Sustentabilidade na Gestão Ambiental. Inovação e desafios para os Países de Língua Oficial Portuguesa”, realizada pela Universidade de Lisboa em 15 de dezembro de 2020. Quero agradecer à organização do SGA 2020, e o faço na pessoa do professor Manuel Duarte Pinheiro, da Universidade de Lisboa, a quem fui apresentado pela nossa amiga comum, Professora Clauciana Schmidt Bueno de Morais, da UNESP, pela oportunidade do convite e da apresentação neste evento, do qual já extraí, dos ilustres conferencistas que me precederam, importantíssimas lições. Devo abordar um aspecto humano que se integra com as questões até aqui abordadas, mas que também refoge em parte do foco técnico adotado nos painéis anteriores. Tenho acompanhado a questão das mudanças climáticas há décadas, por razões profissionais e institucionais. Presidi a 1ª. Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, somando três mandatos na coordenação do setor. Presidi também a comissão de juristas formada pela OAB, encarregada de apresentar uma consolidação das leis ambientais brasileiras, no mesmo ano da Conferência da ONU sobre ambiente e desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992. Atuei na direção de outros organismos e comitês, bem como na implementação de organismos de sociedade civil e de programas integrados, em apoio ao governo brasileiro e a organismos multilaterais. Pude coordenar o grupo de estudos que elaborou o texto apresentado pelo brilhante Deputado Mendes Thame, digno relator do Projeto de Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas no Congresso Nacional, convertido no marco legal brasileiro, em vigor desde 2009. Como membro do grupo de transição do atual governo federal, elaborei, a pedido do ministro de meio ambiente, as notas técnicas, com teor bastante crítico, sobre a estrutura de tutela federal da questão climática, em 2019. Infelizmente, nada foi seguido pelo governo, de forma que reforço minha preocupação com a condução de todo esse processo em nosso país, atualmente. Por isso vejo como importante tarefa observar que a gestão de risco deve abranger aspectos de ordem política e macro política, pois a resposta institucional advém desses aspectos e, no fim, destina-se a também resolver esses aspectos. Feitas essas observações, vou entrar no tema proposto. O Conflito Assimétrico O mundo encontra-se assolado por assimetrias. Vivemos um estágio de acomodação dos instrumentos públicos de governança e controle territorial às demandas de terceira geração do Estado Moderno. Esta 3ª geração de demandas é marcada pela incidência hegemônica dos interesses e direitos difusos, sobre os direitos individuais e coletivos que marcaram, respectivamente, a primeira e a segunda geração de direitos do Estado Moderno. Dentre as mais variadas demandas, concentram as maiores assimetrias as demandas por autonomia (étnica, nacional, comunitária, territorial, identitária etc.), as demandas por participação (nos mais variados mecanismos de decisão), e as demandas por satisfação (reconhecimento de gênero, busca por qualidade de vida, afirmação religiosa, inclusão social, político-ideológica, etc.). 1 Todos estes interesses têm sido demandados, reivindicados, reconhecidos como direitos, rejeitados ou implementados, não sem sacrifício de vidas humanas, transgressões, instabilidade, insurgências, revoluções e conflitos bélicos entre nações. A conformação das estruturas de Estado à conflituosidade intrínseca dos interesses e direitos difusos, por sua vez, acirra ainda mais a assimetria dos conflitos, perenizando sua existência. Interesses difusos são aqueles indivisíveis, transindividuais e de titularidade indeterminada – não se podendo precisar quantos demandam o interesse, um local determinado ou mesmo definir a natureza dos próprios interessados. Esses interesses, portanto, são por natureza assimétricos e conflituosos. Enquadram-se neste campo as demandas por qualidade de vida, saúde, equilíbrio ecossistêmico, saneamento ambiental e mudanças do clima. Ocorrem, por exemplo, na intervenção das forças de segurança de Estado nas favelas do Rio de Janeiro. Também são percebidas quando se implanta um “bunker” imobiliário (cheio de segurança), em bairro tradicional consolidado na cidade de São Paulo – seja um shopping center ou um condomínio fechado. De fato, essas demandas estão presentes no mundo, na implantação de uma usina hidrelétrica na região amazônica, no estabelecimento de normas teocráticas no sistema laico da política da Turquia, no conflito palestino-israelense na faixa de gaza e Cisjordânia, na afirmação nacional do Curdistão face ao Iraque, na legalização do casamento entre homossexuais nos EUA ou no combate à disparidades de ganhos entre cidadãos comuns e funcionários públicos qualificados, denunciados no parlamento grego. Várias dessas demandas encontram-se banhadas por muito sangue. Outras são atendidas de forma pacífica. Todas, no entanto, permanecerão intrinsecamente conflituosas, latentes ainda que momentaneamente “pacificadas”. 2 O Estado moderno, em que pese possuir instrumentos legais que conceituam e reconhecem interesses difusos, desconhece oficialmente a aplicação da tutela estatal à realidade material dessas assimetrias. E elas se agravam com os impactos decorrentes das emergências climáticas. Por conta desse paradoxo, tornou-se o Estado vulnerável a riscos para além dos normalmente tratados pelas ferramentas de gestão territorial ambiental. Conflitos humanitários e mudanças do clima As assimetrias decorrentes dos conflitos humanitários são profundamente ampliadas pelas crises ambientais e climáticas. Refugiados de conflitos bélicos e guerras civis se somam aos refugiados ambientais, estes provindos de regiões afetadas pela escassez de água, alterações radicais do clima, desastres naturais e degradações conexas. Um estudo intitulado “Riscos de Conflito Armado Incrementados por Desastres Climáticos em Países Etnicamente Fracionados” (Armed-conflict risks enhanced by climate-related disasters in ethnically fractionalized countries), foi publicado em 2016, pelo Proceedings of the National Academy of Sciences – PNAS. Ele revela uma importante linha de pesquisa para definir fatores de risco na interação dos eventos climáticos com os conflitos humanos. 3 Os pesquisadores do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto do Clima – os autores do estudo, encontraram uma taxa de correlação de 9% entre conflitos humanos e desastres naturais – como ondas de calor ou seca. A pesquisa do Instituto também revela que cerca de 23% dos conflitos armados, entre 1980 e 2000, em países com muitas diferenças étnicas, coincidem com calamidades climáticas. O estudo evidencia que divisões étnicas desempenham um papel importante em muitos conflitos armados em todo o mundo e podem servir como linha para determinar conflitos e tensões sociais decorrentes de eventos perturbadores – como desastres naturais. A observação dessa interação étnico-climática tem implicações importantes para políticas de segurança nas regiões mais propensas a conflito, como norte da África, África Central e Ásia Central – áreas vulneráveis tanto à ação humana sobre o clima quanto marcadas por profundas divisões étnicas. A Universidade Autônoma de Barcelona, juntamente com 23 universidades e organizações de justiça ambiental de 18 países, organizou anos atrás um mapa dos conflitos ambientais pelo mundo. O projeto foi desenvolvido sob responsabilidade do EJOLT – Environmental Justice Organizations, Liabilities and Trade, um grupo europeu de organizações de justiça ambiental. 4 A própria Organização das Nações Unidas apontou o problema em meados de 2014, quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou sua preocupação. “Deixar as pessoas sem água potável é violação de um direito humano fundamental. Pôr a população civil como alvo e negar-lhe fornecimentos essenciais é uma clara violação dos direitos humanos e do direito humanitário internacional”, afirmara Ban Ki-moon. O Secretário Geral da ONU se referia ao uso da água como arma de guerra e de segregação social. O fator importante que reforça essa segregação advém obviamente das mudanças climáticas. As secas ocorridas na Síria e na Somália, por exemplo, contribuíram de forma determinante para o conflito armado e guerra civil nestes países. Seca prolongada também constituiu fator decisivo no Iraque e Afeganistão. Todas essas regiões sofrem com problemas relativos à segregação étnico-religiosa. Nossa história, antiga, clássica e contemporânea, guarda momentos de interação explosiva entre os mesmos fatores, ocorridos no continente europeu e americano. 5 O risco para o Estado de Direito Esse ambiente de risco expõe o Estado de Direito à infiltração de segmentos, organizações e facções, com interesses de natureza proselitista, religiosa, política, ideológica e criminosa, seja no seu território, seja na sua estrutura. Há hoje uma fragilização generalizada ante a ação organizada de movimentos sociais, identitários, racialistas, organizações internacionais, quadrilhas e até movimentos paramilitares, sem que se divise com a devida inteligência os interesses difusos em causa e, também, discrimine dentre eles os interesses efetivamente demandados, instrumentalizados ou pretextados. Assim é preciso entronizar o conceito de assimetria e compreender o alcance das demandas assimétricas e dos conflitos de natureza híbrida para muito além dos bancos acadêmicos, doutrinas jurídicas e decisões judiciais de caráter estritamente ambiental. Deve-se organizar e capacitar os agentes de gestão para implementar mecanismos de combate e resolução de conflitos assimétricos complexos, caso contrário dificilmente se conseguirá firmar autoridade, controlar o território e afirmar soberania – em especial quanto aos eventos climáticos extremos e ás medidas de prevenção e controle de emissões, cuja consciência social do fato e suas consequências é inversamente proporcional aos interesses econômicos em causa, afetados pelas medidas de controle. 6 O conflito assimétrico de quarta geração No campo da política e da geografia humana, conflitos de interesses difusos, além da inata assimetria, possuem natureza híbrida – transcendem questões territoriais, ganham espectros midiáticos, ativam componentes emocionais, envolvem atores não governamentais, carregam conotação político-ideológica – ligada ou não a questões de ordem étnico-racial ou religiosa. O acirramento do conflito pode desembocar em uma Guerra de Quarta Geração, que se desenrola sem que venha algum dia ser declarada ou mesmo travada por forças diretamente interessadas. “Guerra de quarta geração” é um conceito militar advindo da doutrina israelense. Designa um conflito multidimensional, abrangendo ações para além das manobras convencionais ou ações de forças regulares ou atores legalmente tipificados. No campo geográfico, transcende dimensões físicas – terra, mar e ar. Envolve o espectro eletromagnético e o ciberespaço, a corrupção e desmantelamento do sistema judiciário e de segurança – faz uso da lawfare visando causar desorganização da governança. Nesse novo contexto estratégico, o “inimigo” pode não ser um Estado organizado, mas um grupo terrorista ou organização criminosa, o sistema financeiro, complexos industriais ou mesmo organizações não governamentais aparentemente bem intencionadas, que a princípio usam métodos híbridos para fazer o conflito progredir. Há nesses tipos de conflitos, emprego intensivo de táticas, técnicas e procedimentos de guerra irregular, contrainformação, desinformação, subversão, guerrilha e terrorismo. Admite-se o uso recorrente de proselitismo, ações midiáticas e arregimentação de quadros por redes de relacionamento, vínculos ambientais ou redes sociais. A figura do “inimigo interno” não pode ser de forma alguma descartada. Interesses difusos, por sua conflituosidade intrínseca, constituem, portanto, plataforma ideal para a guerra assimétrica. 7 Qual a resposta institucional do Estado a isso? No campo da ciência do direito, os Estados Nacionais têm procurado preventivamente desenvolver instrumentos legais de mediação, arbitragem, ajustamento de conduta e tutela coletiva, visando justamente se antecipar aos conflitos e impedir que se tornem nocivos à governança. Também têm procurado aperfeiçoar mecanismos de decisão, resolução de crises e controle social, tornando mais permeáveis e participativos os fluxos de tomada de decisão. Porém, quanto mais avança o Estado Democrático de Direito, no sentido da inclusão de interesses difusos no rol de matérias institucionalmente tuteladas – mais é necessário definir novos instrumentos de inteligência e de repressão às facções radicais e organizações criminosas – que se alimentam da conflituosidade intrínseca dos interesses em causa. Não raro, minorias transformam-se em “escudos humanos” para campanhas de desconstrução da ordem legal. Refugiados ambientais, povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais isoladas, ribeirinhas ou insulares, podem desequilibrar projetos nacionais, planos de investimentos logísticos, hoteleiros, energéticos e silvo-agro-pastoris. Alterações climáticas provocadas por ações antrópicas descontroladas, por sua vez, podem mesmo relativizar a soberania de países desatentos à questão e provocar ações de nações direta e indiretamente afetadas pelo desequilíbrio ambiental em curso. Entramos no campo da relativização da soberania nacional – algo que pode ser observado como uma disrupção já em andamento no campo do direito internacional. Nesse campo, direitos humanos podem ser propositadamente diluídos em uma explosiva mistura liberticida, visando consolidar interesses facciosos. O conflito assimétrico, portanto, para muito além dos instrumentos de previsão, prevenção, comando e controle – deve demandar inteligência integrada para seu gerenciamento. Isso deve ocorrer pois os conflitos assimétricos abrigam variadas formas e instrumentos de constrição e coação, aplicados por organizações e interesses difusos de diferentes matizes – da criminalidade comum à barbárie religiosa. Na lawfare, repito, proselitismos tornam-se doutrina e costumam ser utilizados nos cenários de conflituosidade intrínseca (interesses difusos), conferindo risco jurídico e insegurança institucional. 8 Nesse sentido, o foco institucional para equacionar o conflito é agir com método, caracterizando, delimitando e identificando a natureza do conflito e seus atores. Assim, é importante, ao lidarmos com conflitos de natureza “híbrida”, compreendermos as formas de pressão assimétrica organizadas, sistematizando-as, pois que caracterizam a progressão proposital do conflito em direção à crise, visando, quem sabe, até mesmo eclodir uma guerra de quarta geração. Sistemas internacionais de securitização e gerenciamento de crises, atentos á conexão desses conflitos com a geopolítica já estão se mobilizando. É o caso do International Military Council on Climate and Security – IMCCS – uma organização de líderes militares da reserva e ex dirigentes do setor de defesa dedicados a analisar e antecipar cenários estratégicos sobre o impacto do clima e a sustentabilidade na área da defesa e segurança. Recentemente a entidade apresentou relatório analisando os riscos para o Brasil, dos fenômenos climáticos. O relatório é extenso, mas dentre os pronunciamentos da entidade sobre o trabalho, vale a pena destacar o da subsecretária de Defesa dos EUA no governo Obama e Secretária Geral do ICCMS, Sherri Goodman, nos termos seguintes: “A mudança climática é um risco existencial para todas as sociedades e uma questão de segurança humana e nacional. O Brasil enfrenta uma série de desafios de desenvolvimento agravados recentemente pela pandemia Covid-19 – um fenômeno que continua a impactar desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis ​​do país. A degradação ambiental (mais especificamente o desmatamento recorde), junto com a nova dinâmica da mudança climática regional, agravará as consequências da pandemia e retardará os esforços de recuperação do Brasil. Como constata este importante relatório do IMCCS Brasil, secas prolongadas que afetam gravemente os estados agrários e as megacidades podem se tornar uma nova normalidade, pois os padrões de chuva não tradicionais interrompem o fornecimento de água e hidroeletricidade. Usando a previsão sem precedentes disponível por meio de análises estratégicas e ciência de dados, o Brasil deve avaliar seus riscos de mudanças climáticas (incluindo riscos para os interesses estratégicos, regionais e internacionais do Brasil) e desenvolver planos nacionais para enfrentar a gama de ameaças que as mudanças climáticas representam para sua segurança humana e nacional. É do interesse do Brasil tornar a nação à prova do clima. ” 9 Esse pronunciamento já nos dá uma ideia da dimensão dos conflitos geopolíticos que deveremos, em breve, enfrentar. no Brasil, em relação ao posicionamento de blocos europeus, dos Estados Unidos e dos países asiáticos – em especial Japão e China – tradicionais parceiros econômicos de nosso país. Tenho para mim que é mais do que nunca necessário aplicarmos o conceito que denomino soberania afirmativa , pois o movimento de relativização da soberania exige que o Estado Nacional exerça efetivo controle territorial e demonstre autoridade na gestão ambiental, como forma de afirmar sua vontade soberana. 10 Essa questão nos remete também aos continentes mais afetados pelas mudanças climáticas – África e Oceania, aos países insulares e aos biomas que devem ser especialmente preservados, como é o caso da Amazônia. A Lawfare climática No campo da lawfare, já podemos observar, no Brasil, as primeiras ações civis públicas cobrando ações de entes públicos e privados, conforme princípios e preceitos estatuídos pelo Tratado e protocolos internacionais sobre mudanças climáticas, e nossa legislação pátria. O judiciário brasileiro é um importante esteio da democracia brasileira, e se trata de instituição sensível a ações ativistas e mesmo inovadoras. Há, no entanto, uma tendência no judiciário brasileiro de aplicar o pan-principialismo na resolução de conflitos complexos – muitas vezes redesenhando a norma legal – algo muito criticado por vários juristas, pois gera insegurança, ou disrupções imprevistas. Chamamos esse fenômeno de “ativismo judicial”. Assim, o componente judiciário, também é fator a ser considerado no gerenciamento de risco ambiental, envolvendo o clima. Hoje, nesta data de 15 de dezembro, nos chega às mãos um exemplo: Um caso climático a ser decidido no Superior Tribunal de Justiça, a corte federal de uniformização de jurisprudência infraconstitucional, imediatamente abaixo do Supremo Tribunal Federal. Em decisão monocrática publicada hoje (15/12), o Min. Benedito Gonçalves conheceu em parte do Recurso Especial ( REsp1856031-SP ) interposto pelo MPSP no âmbito de ação movida contra a companhia aérea KLM, e negou-lhe provimento. 11 Em essência, o MPSP busca nesta ação a imposição de medidas de mitigação e compensação de danos alegadamente provocados pela emissão de gases de efeito estufa durante pousos, decolagens e manobras no aeroporto internacional de Guarulhos – o maior da América Latina. Outras ações semelhantes foram ajuizadas contra outras empresas aéreas, com desdobramentos próprios. Pontos de destaque considerados na recente decisão (sem entrar, aqui, no mérito quanto à pertinência destes entendimentos): (i) trata-se de atividade lícita; (ii) caberia à Agência Nacional de Aviação Civil regular a matéria (havendo, inclusive, iniciativas da Agência neste sentido); e (iii) a intervenção do Judiciário, assim, violaria os princípios da separação dos Poderes e da segurança jurídica. Até quando teremos ministros mais conservadores em nossos tribunais superiores… mantendo a segurança jurídica, dependerá de extirparmos o populismo – que ressurge em vários países, em vários continentes, de nosso ambiente político. É necessário, portanto, nos debruçarmos sobre a questão – construirmos uma estrutura institucional e um sistema integrado de segurança e clima, para muito além dos debates científicos (igualmente necessários), sobre impactos no ambiente natural ou nas economias formais dos países democraticamente governados. Obrigado. Notas: 1- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Neoparamilitarismo, Conflitos Assimétricos, Interesses Difusos e Guerra de 4ª Geração”, in Blog “The Eagle View”, 22Outubro2015, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2015/09/paramilitarismo-direito-e-conflitos-de.html 2- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “A Grande Revolução Digital- Parte II” , in Blog “The Eagle View”, 16Junho2014, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2014/06/quick-notes-do-aguia-junho-de-2014-o.html 3- SCHLEUSSNER, Carl-Friederich & outros – « Armed-conflict risks enhanced by climate-related disasters in ethnically fractionalized countries », in PNAS – Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 16Agosto2016, visto em 15Dez2020, in https://www.pnas.org/content/113/33/9216 4- AMBIENTE LEGAL – Redação – “Lançado Mapa dos Conflitos Ambientais no Mundo”, in Portal Ambiente Legal, visto em 22/08/2016, in http://www.ambientelegal.com.br/lancado-mapa-dos-conflitos-ambientais-no-mundo/ 5- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Clima + Conflito Étnico = Guerra”, in Blog “The Eagle View”, 22Agosto2016, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2016/08/clima-conflito-etnico-guerra.html 6- idem nota 1 7- idem nota 1 8- idem nota 1 9 – Expert Group of the IMCCS – « Climate and Security in Brazil », Internacional Military Council on Climate and Security – Washington-DC, USA, 30Nov2020, visto em 15Dez2020, in https://imccs.org/climate-and-security-in-brazil/ 10- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Soberania Afirmativa”, in blog “The Eagle View”, 23Set2013, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2013/09/soberania-afirmativa-sobre-nosso.html 11- STJ – Recurso Especial n. 1856031-SP (2020/0001750-7), Rel. Min. Benedito Gonçalves – DOJ Edição nº 0 – Brasília, Documento eletrônico VDA27480368 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 / Signatário(a): BENEDITO GONÇALVES Assinado em: 14/12/2020 14:58:43/ Publicação no DJe/STJ nº 3047 de 15/12/2020. Código de Controle do Documento: df4d1538-788b-459e-97d0-d104af8530ca Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”.
11 dez., 2021
A inteligência contida no novo marco legal do saneamento, é justamente não ter produzido um novo marco legal “Vi ontem um bicho na imundice do pátio, catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, não examinava nem cheirava: engolia com voracidade. O bicho não era um cão, não era um gato, não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem!” (Manuel Bandeira, 1947) Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro Após uma longa novela de inúmeras medidas legislativas infrutíferas e duas iniciativas governamentais frustradas por meio de medidas provisórias, finalmente o Congresso Nacional aprovou o PL 4.162 de 2019 e o Presidente Bolsonaro sancionou a Lei n. 14.026 de 15 de Julho de 2020 , que institui o novo marco legal do saneamento básico no Brasil. A sanção presidencial ocorreu com vetos, quase todos recomendados por entidades e especialistas, visando resguardar a integralidade das razões que levaram o governo brasileiro a propor a medida. A inteligência contida no novo marco legal é justamente não ter produzido um novo marco legal. Como havia dito em artigo, cuja leitura recomendo fortemente, sobre saneamento, produtividade e renda, em 2014, “nos falta tudo, só não falta lei”… ¹ Na verdade, a iniciativa legislativa constitui-se num conjunto de modificações introduzidas no ordenamento que já está em vigor. Desta forma não gera mais um diploma e, sim, atualiza os textos já existentes. Doravante, os operadores da norma estarão aptos a produzir, com apoio da iniciativa privada, um bom suporte à regulação e ao esforço conjunto dos entes federados para o atingimento da meta de universalização dos serviços de abastecimento de água, tratamento de esgoto, coleta, destinação dos resíduos sólidos e drenagem urbana. As circunstâncias, mais uma vez, estão nos dando uma chance objetiva de dar um rumo moralmente correto a um setor abandonado pelo descaso e poluído pela corrupção. Como disse a Professora Maria Inês Otranto, no Diário Notícias de Valinhos, em novembro de 2013, a respeito da fotografia da criança no meio do lixo, acima postada – tirada em Recife, há menos de dez anos, “o poema de Manuel Bandeira, de contestação contra a realidade e a miséria humana, pode também servir, hoje em dia, como analogia para outro tipo de lixo e outro tipo de degradação humana: o homem que vendeu seus princípios; o homem que vive na imundície dos acordos; o homem que exala o cheiro do que é mais imundo e fétido aos olhos dos cidadãos de bem.” ª O objetivo desse artigo é, portanto, em notas objetivas, analisar a nova Lei 14.026 de 2020, propugnando sempre por sua concreta aplicabilidade. Pois é hora de por a bota no solo e transformar essa realidade que nos envergonha. SEGURANÇA JURÍDICA E GARANTIA FINANCEIRA O texto traça dois trilhos sólidos, por onde poderá seguir a marcha da universalização do saneamento no Brasil: i- o apoio estruturado da federação às iniciativas dos municípios; e ii- a segurança jurídica necessária para a garantia financeira dos investimentos públicos e privados. Foram consolidados os instrumentos de concessão, de regulação, de compartilhamento dos serviços em bloco (por meio de consórcio, instituição de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas), de incentivo à privatização e de estruturação de parcerias público-privadas – com remuneração garantida por tarifa. Particularmente me orgulho desse aspecto do diploma, pois era o que já havíamos, como consultores do Banco Mundial, recomendado em estudo produzido há dez anos, para o governo brasileiro (e isso mostra que a maior virtude, no campo do direito… é a paciência) .² No citado trabalho do Banco Mundial, tínhamos como escopo identificar modelos de gestão de RSU via Gestão Pública (direta ou via autarquia), Consorciada, Concessionada ou Delegada e Privada. Prescrevemos a separação da coleta e destinação final da varrição (esta sendo atividade indivisível) para compreender melhor a regionalização da atividade, a qual seria suportada financeiramente pela tarifação ou taxa baseada em uma correlação de consumo de água e uma remuneração variável á concessionária segundo critérios de performance – objetivamente estabelecidos. Dispusemos, também que a garantia de receitas acessórias incluíssem o aproveitamento do lodo das ETEs e a valorização econômica dos resíduos (beneficiamento – recuperação energética – compostagem), bem como créditos de carbono (captura de GEEs), recebimento de resíduos privados de grandes geradores, tratamento de RSS, etc. Todas as soluções indicadas há dez anos, foram agora contempladas. Esse instrumental se estende para além do ciclo hídrico do saneamento básico, atingindo a gestão dos resíduos sólidos urbanos. Com isso confere suporte à economia circular e resolve um enorme problema estrutural, como adiante será demonstrado. O novo marco legal reforça as parcerias público-privadas para o saneamento. Ele, no entanto, toma o cuidado de limitar subcontratações a 25% do valor dos contratos (cf. artigo 2º – alteração do art. 4º da Lei 9.984 de 2000 e artigo 11-A da lei 11.445 de 2007, modificada pelo art. 6º do PL). Essa limitação evita terceirizações indevidas, que servem de escape para as PPPs, pois permitem “privatizações” praticadas por empresas estaduais – que terceirizavam seus serviços a particulares por meio de subdelegação. Essa ferramenta, agora, será monitorada pela agência reguladora e pelo concedente. O ciclo de energia se inicia de forma articulada com a economia circular para conferir efetividade à cadeia de gestão dos resíduos sólidos. Por isso, o setor de aproveitamento energético dos resíduos vê com muito otimismo o advento das novas bases, com que será tratado o saneamento básico brasileiro. Haverá possibilidade de inserir novas rotas tecnológicas da recuperação dos resíduos para geração de energia, nos processos públicos de destinação do lixo urbano. Isso irá contribuir decisivamente para o saneamento do meio e para a política energética nacional. As empresas de saneamento integrado, com divisões técnicas de atendimento aos serviços de abastecimento e tratamento de esgoto, e de concessões que abrangem serviços indivisíveis e divisíveis da gestão de resíduos sólidos urbanos (coleta e varrição, transbordo, destinação e disposição final), também festejam a nova fórmula – pois ganham segurança jurídica e vislumbram um ambiente mais hígido para direcionar seus investimentos. De há muito, na gestão de resíduos sólidos urbanos (RSU), é perturbadora a inexistência de meios seguros para permitir a sustentabilidade econômica dos projetos e dos contratos de concessão – administrativa ou patrocinada. Isso desestimula os projetos construídos mediante Parceria Público Privada (PPP). Assim, uma das grandes razões do projeto de lei ora aprovado e prestes a ser sancionado, é justamente normalizar a cobrança pelos serviços de gestão pública dos resíduos sólidos urbanos. Com o novo marco, os contratos de concessão envolvendo a destinação final dos resíduos sólidos urbanos serão respaldados pela tarifa na conta de consumo – conjunta ou espelhada em outros serviços públicos ( como o de água). Isso permitirá a realização de investimentos e sua respectiva amortização. Esse equilíbrio financeiro e a regulação na economia dos serviços públicos de limpeza urbana – incluindo destinação final dos resíduos e disposição dos rejeitos, formam a pedra de toque para o estímulo aos investimentos no setor. A falta de uma política tarifária tornava (e ainda torna), o sistema refém dos contratos remunerados emergenciais ou improvisados. Esse padrão “emergencial” – quase sempre provocado pela inadequação do local usado para aterro, é por óbvio sujeito a chuvas e trovoadas do ministério público (leia-se judiciário) e tribunais de contas. Com efeito, os serviços são remunerados à custa do tesouro das prefeituras, visto que a conhecida “taxa de limpeza urbana”, geralmente acoplada ao IPTU, não cobre 5% do valor real das despesas com a coleta, varrição e destinação final do lixo. Pesa no orçamento municipal, em especial a destinação dos resíduos, pois a inadequação da esmagadora maioria de sítios de disposição final dos rejeitos termina por explodir o apertado orçamento municipal na primeira autuação ou interdição sofrida. Esse aperto obriga o prefeito a destinar os resíduos da cidade para aterros devidamente licenciados não raro distantes mais de cem quilômetros do município. Isso se soma – e incrementa a inadimplência de 40% dos municípios brasileiros – algo que desencoraja qualquer investimento privado, inviabiliza o sistema de WtE (waste to energy) e transforma o empreendimento dos aterros sanitários em um “caça-lixo/caça-níquel” predatório. REGIONALIZAÇÃO E INTER FEDERATIVIDADE A regionalização – ou seja, o compartilhamento dos serviços de saneamento, incluso os de gestão de resíduos sólidos urbanos – por meio de blocos de municípios organizados em regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas, insere os estados no esforço de universalização dos serviços. Esse fenômeno deve resultar na maior eficiência do sistema de gerenciamento, para muito além das concessões locais de coleta e varrição. Os municípios partilharão os serviços dos destinadores para além do transbordo, e poderão experimentar novas rotas tecnológicas para a destinação dos resíduos antes da disposição final dos rejeitos. O consórcio, por sua vez, ganha nova configuração, evitando alterações abruptas provindas dos humores políticos do prefeito de plantão. A uniformização da regulação imporá profissionalização. A orientação federal cuidará de harmonizar regras e metas nos contratos de concessão e normas de transição. O disciplinamento do sistema restringe de toda forma a vigência dos contratos de programa – que praticamente engessavam os municípios em função dos interesses das grandes companhias estatais mantidas pelos estados, como será demonstrado adiante. Já o banimento dos contratos administrativos temporários e outras formas contratuais que contornavam a Lei de Licitações, forçará uma rápida transição para o sistema de concessão, com longo prazo e certeza de remuneração. Esse disciplinamento, por sua vez, deverá obrigar os blocos de compartilhamento a articularem suas concessões locais de coleta, varrição, poda e desobstrução de bueiros com os sistemas regionais integrados de transbordo, destinação final de resíduos e disposição final dos rejeitos. Ou seja, deverá ter um fim seguro a licitação pela metade desses serviços, ou poderá haver licitações locais para os serviços de coleta e outra, conjunta, do bloco, para transbordo, destinação e disposição. Com isso, a distribuição espacial dos sistemas de destinação serão estrategicamente calculados conforme a demanda regional. Aliás, é o que já se trata de fazer com os sistemas de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. O legislador, no entanto, ao pretender manter uma postura “aterrista” (aquela que entende que a melhor solução para o lixo é um aterro perto e a segunda melhor solução é um aterro longe…) para a gestão dos resíduos sólidos urbanos (RSU), mais uma vez ignorou a sutil diferença entre resíduo e rejeito. Nesse sentido o novo marco legal altera, no seu art. 10, o disposto no art. 56 do Estatuto das Metrópoles (lei 13.089 de 2015), para dispor que ” nos casos em que a disposição de rejeitos em aterros sanitários for economicamente inviável, poderão ser adotadas outras soluções, observadas normas técnicas e operacionais estabelecidas pelo órgão competente, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais.” Ora, pela lei 12.305 de 2010, o aterro sanitário só deveria receber rejeitos e estes deveriam ser cada vez mais reduzidos, na medida em que outras soluções tecnológicas pudesse dar ao material outra destinação funcional e ambientalmente mais adequada que a disposição. Em verdade, pela lógica do sistema, os aterros deveriam receber um adicional de performance nas novas concessões pela redução que obtivessem na disposição final dos rejeitos, pois isso aumentaria a vida útil deles e os resíduos estariam em tese servindo para funcionalidades mais sustentáveis – em especial à recuperação energética. Portanto, a lógica do artigo acima referia está invertida. Nesse sentido, é possível que nossas recomendações agora sejam adotadas. Elas foram efetuadas em trabalho de nossa autoria, contratado ao PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República – destinado à Comissão Interministerial encarregada de elaborar o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, para a análise de assuntos pertinentes ao conceito jurídico de disposição final de rejeito, as responsabilidades dos atores na cadeia de gestão dos resíduos e os critérios de segregação para a obtenção do resultado pretendido na lei .³ Nesse trabalho, particularmente, tratei de reforçar a necessidade de se buscar mecanismos estruturantes e prévios à disposição final (upstream) – justamente para reduzir ao máximo o que se destinasse ao aterro. As conclusões desse estudo caem como luva no novo marco legal, senão vejamos: 1- Necessidade de progressiva regionalização do sistema de gestão integrada; 2- Necessária criação de um órgão de regulação da cadeia de gestão de resíduos, articulado com o Comitê Interministerial e o Comitê Orientador – CORI, de resíduos sólidos; 3- Criação, por lei, de sistema de regulação contendo agência reguladora e mecanismos de permissão para vigência de entidades gestoras privadas, setoriais; 4- Aferição periódica do tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis dos resíduos sólidos na cadeia de destinação final, de forma a manter atualizado o processo de disposição final dos rejeitos, regulando os conflitos de ordem econômica e tecnológica que envolvem a questão. Esses serão os assuntos que tomarão tempo e esforços dos entes federados, no cumprimento dos prazos estatuídos pelo marco legal, para regularização da disposição final dos rejeitos. A CONSOLIDAÇÃO DO AMBIENTE DE REGULAÇÃO Política Nacional de Saneamento Básico já instituíra o sistema municipalizado de gestão em um ambiente de regulação – um grande avanço que gerou pelo menos meia centena de agências reguladoras Brasil afora. No entanto, a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos foi absolutamente omissa com relação à regulação. Isso causou profunda distorção no sistema, pois se por um lado, em obediência ao marco legal de 2007 os serviços concessionados nas capitais seguiram regulados para a coleta e destinação dos resíduos, toda a economia circular permaneceu literalmente no limbo, sem um instrumento de regulação que permitisse a ela sair do estágio catatônico em que se encontra até hoje. O marco legal agora aprovado e sancionado pode corrigir o problema, na medida em que institui uma agência nacional encarregada de traçar as diretrizes gerais para ambos os ciclos – do saneamento hídrico e da economia circular dos resíduos sólidos. Porém, há uma contradição intrínseca ao próprio novo marco legal do saneamento. Ocorre que remanesce em vigor o art.. 4o da Lei 11.445/2007 – que reza que “os recursos hídricos não integram os serviços públicos de saneamento básico”. Aduz o mesmo artigo que “a utilização de recursos hídricos na prestação de serviços públicos de saneamento básico, inclusive para disposição ou diluição de esgotos e outros resíduos líquidos, é sujeita a outorga de direito de uso, nos termos da Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, de seus regulamentos e das legislações estaduais”. É de se perguntar: como poderia a Agência Nacional de Águas regular um setor diverso do seu por força de lei e, pior, cliente de sua finalidade original? O fato é que a ANA deverá passar por uma grande reengenharia. Do ponto de vista estrutural, a ANA trabalhará com três sistemas: a) Sistema Nacional de Recursos Hídricos – estruturado por bacias e gerenciado federativamente em conjunto com os Estados; b) o Sistema de Saneamento de água e esgoto, cuja gestão é descentralizada, com um ente regulador por concessão; e c) a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cuja gestão assimétrica e articulada não possuía, até o momento, um ente regulador. O diploma aprovado no Congresso prevê até um novo ramo profissional a ser capacitado para a nova tarefa. Afinal, a nova regulação abrange a regulação dos ciclos econômicos envolvendo o uso da água para abastecimento, esgotamento, reúso e a economia circular dos resíduos sólidos. Cumprirá à ANA baixar diretrizes gerais que influenciarão a condução dos regimes de concessão e a interligação destes com a logística reversa, o aproveitamento energético, os sistemas gestores das categorias de recicláveis e os sistemas baseados na natureza de biorremediação e filtragem. Esse complexo ambiente de regulação irá envolver as normas gerais de gestão dos contratos de risco, dos ativos, projetos de financiamento para parcerias no setor, formação dos blocos inter-federativos, tarifação e tarifa social. Com certeza, também deverá impulsionar a cobrança pelo uso da água no sistema de saneamento – o principal cliente do sistema de recursos hídricos. A equação para determinar a inserção da remuneração pelo uso econômico do recurso, a reservação e a outorga serão muito relevantes para o equilíbrio financeiro do SNRH e tarifário dos serviços de saneamento. Esse avanço, possivelmente, obrigará municípios a incrementar avanços tecnológicos na preservação dos corpos d’água, incluso os subterrâneos. Com a ANA – agora denominada “Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico”, no topo da regulação de ambos os sistemas, de saneamento e recursos hídricos, a bacia hidrográfica finalmente deverá se impor como a grande unidade de planejamento inclusive para determinar, no campo da gestão de resíduos sólidos, o compartilhamento dos serviços de destinação e disposição final. Esse fenômeno deve refletir-se no avanço definitivo da solução para o problema do chorume e risco de contaminação dos corpos d’água pela contaminação do solo. Por outro lado, a ANA deverá avançar nos acordos setoriais – graças à interconexão clara entre o serviço de coleta municipal e o material reciclável nele inserido. Essa recolha de material reciclado pelos serviços públicos de coleta deverá ser remunerada pelos acordos setoriais envolvidos com esse fluxo de materiais. A ANA pautará as demais agências reguladoras dos respectivos contratos de concessão e os de programa remanescentes, com suas diretrizes. Isso poderá finalmente alavancar uma economia hoje reprimida no Brasil e resgatar os famosos bilhões perdidos no lixo, como sempre foi apontado pelo consagrado professor Sabetai Calderoni. O FORTE LOBBY DAS ESTATAIS E DOS “DESCONECTADOS” Para a aprovação do PL no Senado, impôs-se a rejeição das 94 emendas propostas naquela câmara alta, eliminando-se os escandalosos jabutis que pretendiam dar sobrevida aos contratos precários de prefeituras com aterros e outros destinadores desconectados dos coletores concessionados ou não. Essa desconexão, em verdade, constitui uma das maiores fontes de corrupção em todo o território nacional – com as exceções de sempre – a ponto deste subscritor ousar dizer que no negócio de gestão de resíduos sólidos, a parte mais limpa é o lixo… No entanto, houve um jabuti que seguiu incólume, inserido desde quando aprovado o projeto na Câmara Federal, inserido no artigo 16 e no artigo 20 do PL, sem que houvesse discussão prévia sobre o dispositivo. O artigo 20, que tem uma redação absolutamente remissiva – restringe a aplicação de vários dispositivos da Lei dos Consórcios Públicos e também da Lei Nacional do Saneamento – mantendo sua aplicabilidade exclusiva aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Com isso, os serviços de limpeza pública e manejo de RSU ficaram sujeitos à existência de contratos de programa e possibilidade de fórmulas que mantém a insegurança jurídica na remuneração dos serviços de destinação final dos resíduos. Com o artigo 16 do PL, surge uma contradição. O texto incentiva a criação de blocos regionalizados de municípios e determina a conversão dos contratos de programa em contratos de concessão. Isso deveria significar o império da concessão precedida de licitação dos serviços. Porém os contratos de programa (firmados por municípios e grandes operadoras estatais de saneamento, como a Sabesp de São Paulo e a Cedae,do Rio), não precedidos por licitação em razão de previsão expressa na Lei 8.666/93, podem ser esticados por mais 30 anos, e com prazo até 31 de março de 2022 para ocorrer. Há várias razões, no entanto, para o cuidado reservado aos contratos de programa. Há toda uma escola publicista que aponta o contrato de programa como um eficiente instrumento de cooperação inter federativa, derivada do artigo 241 da Constituição Federal. Por ele, os municípios podem autonomamente conveniar com a empresa estadual de saneamento para operar os serviços de água e esgotamento sanitário, permitindo a execução dos serviços de saneamento pelo estado federado. Essa fórmula permitiu, de fato, a expansão do saneamento básico para os municípios brasileiros e é verdadeiro afirmar que a maior parte do serviço de saneamento existente no país, nos últimos trinta anos, é prestado por companhias estaduais. Outro fato que pesou nessa manutenção – na aprovação pelo Senado, foi a facilidade de uniformização de regras para a prestação dos serviços e estabelecimento de metas. A manutenção de tarifas uniformes para os municípios atendidos pela mesma companhia pública torna-se possível, por outro lado, por conta do subsídio cruzado – meio pelo qual as receitas auferidas nos grandes municípios são investidas nos pequenos – que de outra forma não seriam atendidos. As tarifas sociais – que beneficiam os mais pobres, também são fruto dos mecanismos de compensação constantes dos contratos de programa. Porém, o fato inescapável é que os contratos de programa foram desenvolvidos pelas empresas estatais visando, em especial desde a reforma do estado empreendida em 1995, escapar do disposto no art. 175 da Constituição Federal, a qual expressa de forma indiscutível que a prestação dos serviços públicos sempre se dará sob o regime de concessão ou permissão “sempre através de licitação”. Patente, assim, que a manutenção do sistema de forma isolada no projeto de lei, visa manter uma válvula de escape para empresas estatais que firmaram contratos de programa de saneamento com prefeituras. No entanto, o mecanismo posto no artigo 20 é mais complicado, pois o mesmo lobby “do bem”, organizado para defender o serviço de saneamento básico prestado pelas grandes empresas públicas, torna-se um lobby “do mal” quando se presta a garantir uma sobrevida do sistema para as empresas que trataram de inserir no rol de serviços constantes no programa uma ainda não prestada gestão de resíduos sólidos. O mecanismo, não utilizado e mantido “na manga” das estatais, permitirá a delegação dos serviços onde os contratos estiverem em vigor e renovados. Permite também aos serviços desconectados de destinação de resíduos sólidos urbanos, manterem por algum tempo seus serviços em caráter precário, inclusive renovando prazos. Assim, houve uma forte pressão para que se procedesse ao veto presidencial do artigo 16 e do artigo 20, do PL aprovado, permitindo ao Executivo a preservação do caráter uniforme, privatista e hígido do marco legal do saneamento básico, conferindo sustentabilidade aos investimentos tão necessários à modernização do parque de tratamento e destinação dos resíduos sólidos urbanos no Brasil. O assunto, porém deverá retornar ao parlamento – ou com a derrubada do veto ou por meio de nova iniciativa legislativa específica. De todo modo, recomendo a leitura do anexo deste artigo, posto abaixo, que reproduz a mensagem presidencial ao congresso, justificando os vetos aplicados ao diploma legal, na sanção presidencial. ( anexo1 ) Retirado o dispositivo contraditório, com todo o respeito devido às ponderações dos seus defensores, permanecerão hígidas as novas bases para a gestão pública e segura dos resíduos sólidos urbanos no Brasil pelo sistema de concessões reguladas, conferindo segurança aos investimentos também nas novas rotas tecnológicas de destinação dos resíduos e de aproveitamento energético nesse setor. Porém, o esforço estatista guarda no texto da Lei uma última trincheira defensiva. Ela está localizada no artigo 42 do diploma e condiciona a transição do contrato à indenização, pelo poder concedente – que transmitirá ao novo concessionário, a obrigação de indenizar o prestador do serviço anterior (obviamente público). Há previsão de que o município só retomará os serviços de água e esgoto se pagar a indenização pelos investimentos não amortizados (cf. artigo 42, § 5º). O assunto será com certeza objeto de judicialização, pois o entendimento jurisprudencial do STJ é contrário, e estatuído com base constitucional, no sentido de não se poder erigir barreira dessa espécie que impeça a municipalidade de retomar o serviço (AgRg SS 1.021-SC, relator Min. Nilson Naves – DJ de 26.05.2003 / AgRg SS 1.307-PR, relator Min. Edson Vidigal – DJ de 06.12.2004 e AgRg SLS 1.406-RS, relator Min. Ari Pargendler – DJ de 22.06.2011). Não fosse a ação judicial, o ingresso do capital privado restaria obstruído pela desproporcional proteção patrimonial instituída em favor das empresas públicas, o que é inconstitucional. SISTEMAS BASEADOS NA NATUREZA Há um ponto infelizmente não abordado no marco legal aprovado: a ampliação do horizonte de rotas tecnológicas disponíveis para a prestação dos serviços públicos de tratamento para abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem urbana, incluindo soluções baseadas na natureza. Soluções baseadas na Natureza, tecnicamente referenciadas como SbN, são tecnologias aplicadas, inspiradas e apoiadas pela natureza. Usam ou simulam processos naturais para o aperfeiçoamento da gestão da água e de resíduos, promovendo benefícios ambientais, sociais e econômicos, além de contribuir para a resiliência de ambientes urbanos, rurais e costeiros. As soluções baseadas na natureza constituem rota tecnológica para a gestão da água e têm como objetivo minorar os impactos ambientais provenientes das atividades antrópicas, por meio do tratamento e purificação das águas de abastecimento ou de esgotamento. Previnem o desabastecimento e contribuem decisivamente para a drenagem, agindo de forma a desacelerar fluxos e reduzir os picos de enchentes, prevenindo o impacto das secas (UNESCO). Segundo o Coordenador e Diretor do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP, na sigla em inglês) da UNESCO, Stefan Uhlenbrook: “Há três principais objetivos que podemos atingir com as soluções baseadas na natureza. Um deles é aumentar a disponibilidade de água, tanto para o consumo como para a agricultura e a indústria, outro objetivo é aumentar a qualidade da água, que está se degradando devido a uma série de atividades humanas. O último é reduzir os riscos associados à água, como as secas e enchentes. Todos são objetivos de gestão da água que podem ser atingidos com soluções baseadas na natureza e infraestrutura verde”.* As soluções baseadas na natureza devem também ser sempre consideradas no planejamento público, como parte integrante da preocupação para com o componente ambiental, atendendo a dois princípios gerais constantes na Declaração do Rio de Janeiro Para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, da Conferência das Nações Unidas de 1992, que rezam: “Princípio 4: A fim de atingir o desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá se considerar em forma isolada. Princípio 9: Os Estados deveriam cooperar no fortalecimento de seu próprio poder para de atingir o desenvolvimento sustentável, aumentando o saber científico mediante o intercâmbio de conhecimentos científicos e tecnológicos, e intensificando o desenvolvimento, a adaptação, a difusão e a transferência de tecnologias.” Bastaria acrescentar referências à alternativa em dois pontos do PL, para integrar o sistema no rol de possibilidade concretas de purificação e tratamento, para além do já consagrado uso nos processos de recuperação de corpos hídricos. De fato, o texto aprovado cita três vezes o termo “obras”, mas passa ao largo quando o assunto são soluções baseadas na natureza. Prevê que as estruturas de saneamento sejam feitas por meio de obras de engenharia quando há outros sistemas de remediação biológica. É uma lógica que parou na primeira metade do século XX e que prioriza as obras faraônicas. Ademais, unificado o sistema de saneamento básico pela reengenharia normativa, nada une mais o sistema de preservação dos recursos hídricos com o de saneamento, que essa alternativa tecnológica baseada na natureza. Assim, o assunto da engenharia verde haverá de merecer um PL próprio, embora – reconheça-se, não esteja proibido no diploma legal aprovado, voltado prioritariamente para a engenharia cinza. PRAZOS PRORROGADOS Os prazos para a disposição final adequada de rejeitos foram mais uma vez prorrogados, adoradas as medidas prévias previstas na cadeia de gestão dos resíduos, constante no art. 9º da Lei 12.305/2010, ou seja, impõe-se a adoção de ações prévias de reuso, reciclagem e recuperação de resíduos, para que apenas os rejeitos sigam para aterros sanitários licenciados. Para cidades com menos de 50 mil habitantes, que representam 73% dos municípios do país, o prazo para regularização foi estendido para agosto de 2024. Já as capitais terão até 2021 para buscar enquadramento. Em verdade, essa insistência em apor prazos na lei, só faz a alegria do promotor de justiça da esquina, pois em um regime federativo assimétrico como o brasileiro, as diferenças regionais, disparidades econômicas e hábitos culturais torna impossível uma implementação uniforme em busca de metas similares no mesmo período de tempo. Basta observar como o modelo europeu luta, até hoje, para estabelecer prazos muito diferentes para cada país que adere ao sistema de gestão de resíduos da comunidade. CONCLUSÃO O marco legal do saneamento, enfim, assume um caráter de regulação da economia que há muito vínhamos preconizando para o Brasil. O ambiente de regulação é expressão da permeabilidade do Estado moderno aos instrumentos de participação social, resolução dedicada de conflitos socio-econômicos complexos. Essa complexidade advém da progressiva simbiose entre dois processos aparentemente díspares, mas que se complementam no contexto da globalização e da economia de mercado: o controle social sobre o uso dos recursos ambientais e econômicos pari passu com a privatização da gestão e apropriação dos mesmos recursos.** Essa compreensão é essencial para entender o quão importante é a regulação como polo de atratividade de investimento para ciclos econômicos impulsionados pela ação da autoridade, como é o caso do saneamento básico. Por outro lado, escrevi nos idos de 2013 que: “Minha primeira sugestão é, de imediato, revigorar a ANA, como instrumento de planejamento estratégico, econômico e de regulação de usos. Para tanto, é necessário que o Sistema Nacional de Recursos Hídricos – SNRH, se descole do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. A ANA deve ser resgatada. Ela precisa sair do divã do analista natureba, hoje frequentado pelo Ministério do Meio Ambiente – sempre em crise com seus dois filhos diletos e siameses: IBAMA e ICMBio. O problema não está nos quadros, nas informações, instrumentos e recursos. Está, sim, na definição de rumos do sistema. Enquanto o SNRH – Sistema Nacional de Recursos Hídricos, for mantido refém do discurso natureba, preservacionista e biocêntrico, que ainda contamina o Sistema Nacional de Meio Ambiente (e há muito mérito na luta da atual ministra em reduzir essa contaminação no organismo que dirige), ele não seguirá seu destino de se integrar ao esforço de desenvolvimento nacional. Continuará exercendo um papel secundário, cartorial, de emissor de reservações e outorgas. O próprio Conselho Nacional de Recursos Hídricos sofre com essa crise de identidade. Não demanda sua agência e não é por ela devidamente demandado. O CNRH não integra seus planos ao planejamento estratégico e econômico dos organismos que efetivamente usam o recurso e, com isso, limita-se a “colher dados” e “gerar conflitos” ao invés de resolvê-los. Estaria muito melhor o SNRH se fosse deslocado, como um todo, para o MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, fato que iria conferir funcionalidade estratégica ao organismo, sem perda de qualidade ambiental.”*** Parece que o Estado Brasileiro, finalmente, ouviu o conselho. Vamos agora tratar de arregaçar as mangas e trabalhar muito duro para implementar os novos parâmetros, pois o sistema dependerá deles para, finalmente, crescer, germinar e universalizar. Como disse anos atrás, no primeiro artigo que citei acima: “Ignorância, incompetência, preconceito ideológico, oportunismo e corrupção contaminam o saneamento público no Brasil. O saneamento básico nacional, portanto, precisa ser saneado estruturalmente, para que só então se processe uma correta implementação do marco legal – que, literalmente, ainda não saiu do papel. Enquanto isso, a falta de saneamento continua a atingir toda a população brasileira, sua saúde, seu trabalho, sua renda e sua educação. Atinge, portanto, a saúde e desenvolvimento econômico do país. O saneamento básico no Brasil precisa se tornar uma realidade limpa e saudável para todos os brasileiros, e não o esgoto a céu aberto de fatos lamentáveis, que hoje presenciamos.” Com o novo marco, o cavalo está passando selado pela undécima vez! Se não montarmos agora, atolaremos definitivamente no mar de lixo, cobertos de dejetos. A hora é agora! ANEXO 1 – DESPACHOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA MENSAGEM Nº 396, de 15 de julho de 2020. Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1 o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 4.162, de 2019, que “Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados”. Ouvidos, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Economia manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos: § 4º do art. 3º da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, alterado pelo art. 7º do projeto de Lei “§ 4º Fica facultado aos Municípios, detentores da titularidade do serviço, a participação nas prestações regionalizadas de que trata o inciso VI docaputdeste artigo.” Razões do veto “A propositura legislativa, ao estabelecer por intermédio de emenda parlamentar, a facultatividade dos Municípios, detentores da titularidade do serviço, a participação nas prestações regionalizadas, viola o § 3º do art. 25 da Constituição da República, ante a compulsoriedade da participação dos Municípios em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas (v. g. ADI 1842, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28/02/2013).” § 12 do art. 50 da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, alterado pelo art. 11 do projeto de Lei “§ 12. A União apoiará, com a disponibilização de recursos federais e com o fornecimento de assistência técnica, a organização e a formação dos blocos de prestação de serviços de saneamento regionalizada, na forma desta Lei.” Razões do veto “Em que pese a boa intenção do legislador e ressaltando que atualmente a União já apoia a estruturação de blocos de saneamento básico com a finalidade de fazer concessões, nos termos das diretrizes traçadas nas políticas públicas delineadas pelo governo federal, verifica-se que a propositura, ao impor o apoio na forma desta Lei, contém óbice jurídico por não apresentar a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro, em violação às regras do art. 113 do ADCT, bem como dos arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda do art. 114 da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 (Lei nº 13.898, de 2019).” O Ministério da Economia manifestou-se, ainda, pelo veto aos seguintes dispositivos: § 5º do art. 1 1 – A da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, alterado pelo art. 7º do projeto de Lei “§ 5º O limite previsto nocaputdeste artigo poderá ser ultrapassado na hipótese em que houver, no contrato de subdelegação, a obrigação expressa de o prestador reverter eventual valor por ele recebido em razão da subdelegação para investimentos na universalização do saneamento básico mediante prévia autorização da agência reguladora e do titular, ou para pagamento de incentivos financeiros aos servidores públicos civis das empresas públicas e sociedades de economia mista que aderirem a Programa de Desligamento Voluntário (PDV).” Razões do veto “A propositura legislativa gera insegurança jurídica ao permitir ultrapassar o limite estabelecido nocaputsem a previsão do que seria o máximo permitido para a subdelegação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico por meio de contrato, o que desprestigia as regras de escolha do poder concedente estabelecida na legislação. O dispositivo permite, ainda, onerar a prestação do serviço com custos não estimados em princípio.” § 1º do art. 54 da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, alterado pelo art. 11 do projeto de Lei “§ 1º A União e os Estados manterão ações de apoio técnico e financeiro aos Municípios para o alcance do disposto no caput deste artigo.” Razões do veto “Em que pese a boa intenção do legislador, ao dispor que os Estados manterão ações de apoio técnico e financeiro aos Municípios para o alcance do disposto no caput, a propositura contém óbice jurídico por não apresentar a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro, em violação às regras do art. 113 do ADCT, bem como dos arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda do art. 114 da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 (Lei nº 13.898, de 2019).” Art. 22 “Art. 22. Substitua-se, no art. 11 e nos Anexos I e I-A da Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, a expressão ‘Especialista em Recursos Hídricos’ por ‘Especialista em Regulação de Recursos Hídricos e Saneamento Básico'”. Razões do veto “A propositura legislativa, ao alterar a nomenclatura do atual cargo de ‘Especialista em Recursos Hídricos’, gera insegurança jurídica tendo em vista que o art. 11 e os Anexos I e I-A da Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, que se pretende alterar, trata sobre recebimento de gratificação de carreira a qual não mais se aplica desde o advento da Lei nº 13.326, de 2016, quando a remuneração passou a ser por subsídio.” Ouvidos, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública e do Desenvolvimento Regional manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos: Art. 46-A da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, alterado pelo art. 7º do projeto de Lei “Art. 46-A. Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos acompanhar a execução do Plano Nacional de Saneamento Básico e recomendar as providências necessárias ao cumprimento de suas metas, bem como acompanhar a situação da regulação do saneamento no Brasil, nos termos da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.” Razões do veto “A propositura legislativa, ao inserir nova atribuição ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, atribuição esta que não encontra correspondente no art. 34 da Lei nº 9.433, de 1997, a implicar, portanto, em remodelamento das regras de competência, funcionamento e organização de órgão do Poder Executivo, usurpa a competência privativa de iniciativa legislativa do Presidente da República, em ofensa ao art. 61, § 1º, II, ‘e’, da Constituição da República (v.g. ADI 3.061, rel. Min. Ayres Britto, j. 5/4/2006, DJ de 9-6-2006).” Parágrafo único do art. 17 “Parágrafo único. Os contratos para serviços de distribuição de água poderão prever vinculação com determinados fornecedores e critérios para solucionar eventuais questões de atendimento inadequado, desde que com a anuência do órgão gestor competente.” Razões do veto “A propositura legislativa, ao possibilitar que os contratos de distribuição de água prevejam a vinculação com determinados fornecedores, desde que com a anuência do órgão gestor competente, contraria a Constituição da República por violar o princípio da competitividade, e, com ele, os princípios da igualdade entre os participantes e da seleção da proposta mais vantajosa, nos termos do inciso XXI do art. 37 da Carta constitucional, bem como os princípios da moralidade e impessoalidade insculpidos no caput do mesmo art. 37.” Os Ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional opinaram pelo veto aos dispositivos a seguir transcritos: §§ 6º e 7º do art. 14 “§ 6º Os entes públicos que formalizaram o contrato de programa que decidirem pela não anuência à proposta de que trata o § 2º deste artigo poderão assumir a prestação dos serviços, mediante a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido comprovadamente custeados pelo lucro ou por empréstimos tomados especificamente para esse fim, lançados em balanço pelas empresas prestadoras do serviço, na forma prevista no art. 36 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. § 7º A comprovação referida no § 6º deste artigo deverá ser feita mediante apresentação de documentos contábeis que possibilitem a verificação de que os referidos investimentos não foram custeados exclusivamente pela receita proveniente da cobrança das tarifas dos usuários.” Razões dos vetos “A propositura legislativa, ao dispor sobre indenização dos investimentos não amortizados nos casos de alienação do controle acionário das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos de saneamento básico, gera insegurança jurídica por estar em descompasso com as disposições da Lei nº 8.987, de 1995, (Lei de Concessões), a qual já dispõe sobre todo o processo de concessões, trazendo os fundamentos e a segurança jurídica necessários ao processo. Ademais, não é possível fazer na prática a distinção entre receita proveniente de tarifa direcionada para um ativo, de forma que torna inviável a sua implementação e, por consequência, inviabiliza o pagamento de indenização, que poderá ser considerada como um enriquecimento ilícito por parte do titular por se apropriar de um recurso que é do prestador.” Os Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Regional, da Infraestrutura e da Economia manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo: Art. 16 “Art. 16. Os contratos de programa vigentes e as situações de fato de prestação dos serviços públicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de economia mista, assim consideradas aquelas em que tal prestação ocorra sem a assinatura, a qualquer tempo, de contrato de programa, ou cuja vigência esteja expirada, poderão ser reconhecidas como contratos de programa e formalizadas ou renovados mediante acordo entre as partes, até 31 de março de 2022. Parágrafo único. Os contratos reconhecidos e os renovados terão prazo máximo de vigência de 30 (trinta) anos e deverão conter, expressamente, sob pena de nulidade, as cláusulas essenciais previstas no art. 10-A e a comprovação prevista no art.10-B da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, sendo absolutamente vedada nova prorrogação ou adição de vigência contratual.” Razões do veto “A propositura legislativa, ao regularizar e reconhecer os contratos de programa, situações não formalizadas de prestação de serviços públicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como possibilitar a prorrogação por 30 anos das atuais avenças, prolonga de forma demasiada a situação atual, de forma a postergar soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Ademais, a proposta, além de limitar a livre iniciativa e a livre concorrência, está em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico que orienta a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia, o que por sua vez contribui para melhores resultados.” Ouvidos, os Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Regional e da Economia manifestaram-se, ainda, pelo veto ao seguinte dispositivo: Art. 20 “Art. 20. Aplicam-se apenas aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário os seguintes dispositivos: I – da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, o § 8º do art. 13; II – da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007: a) o art. 8º; b) o art. 10; c) o art. 10-A.” Razões do veto “A propositura legislativa, ao afastar para os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, a aplicação do § 8º, do art. 13 da Lei nº 11.107, de 2005 (normas gerais de contratação de consórcios públicos) e dos artigos 8º, 10 e 10-A, da Lei nº 11.445, de 2007 (diretrizes nacionais para o saneamento básico), quebra a isonomia entre as atividades de saneamento básico, de forma a impactar negativamente na competição saudável entre os interessados na prestação desses serviços, além de tornar menos atraente os investimentos, em descompasso com a almejada universalização dos serviços, foco do novo marco do saneamento, que busca promover ganhos de qualidade, efetividade e melhor relação custo-benefício para a população atendida.” Os Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Regional e da Justiça e Segurança Pública opinaram pelo veto ao dispositivo a seguir transcrito: Caput e § 1 º do art. 2 1 “Art. 21. Compete ao Município promover o licenciamento ambiental das atividades, empreendimentos e serviços de saneamento básico. § 1º Se não existir órgão municipal para cumprimento do estabelecido no caput deste artigo, será competente o órgão de licenciamento ambiental estadual.” Razões dos vetos “A propositura legislativa, ao dispor sobre o âmbito de competências dos Municípios para a promoção de licenciamento ambiental, está em descompasso com a Lei Complementar nº 140, de 2011, que já possuem regras definidas, com base no interesse geral da União, regional dos Estados e local dos Municípios, para a promoção do licenciamento ambiental, além de ofender a Constituição da República por tratar em Lei Ordinária Federal de matéria reservada à Lei Complementar (v. g. ADI 5.127, voto do rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, j. 15-10-2015, P. DJE de 11-5-2016).” O Ministério do Desenvolvimento Regional manifestou-se, ainda, pelo veto ao seguinte dispositivo: § 2º do art. 21 “§ 2º A aprovação do licenciamento de projeto de saneamento básico terá prioridade sobre os demais que tramitem no órgão ambiental.” Razões do veto “A propositura legislativa, ao dispor sobre o âmbito de competências dos Municípios para a promoção de licenciamento ambiental, gera insegurança jurídica por estar em descompasso com a Lei Complementar nº 140, de 2011, que definiu precisamente o âmbito de competências dos Municípios para o exercício dessa competência, além de ofender a Constituição da República por tratar em Lei Ordinária Federal de matéria reservada à Lei Complementar (v. g. ADI 5.127, voto do rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, j. 15-10-2015, P. DJE de 11-5-2016).” Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. Nº 397, de 15 de julho de 2020. Encaminhamento ao Congresso Nacional do texto da Medida Provisória nº 991, de 15 de julho de 2020. Notas: 1- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Saneamento, Produtividade e Renda”, in Blog The Eagle View, 28março2014, in https://www.theeagleview.com.br/2014/03/saneamento-produtividade-e-renda.html a- OTRANTO, Maria Inês – “Crianças no Lixo” – in Notícias de Valinhos, Ano 20, 8 de novembro de 2013, in http://noticiasdevalinhos.blogspot.com/2013/11/criancas-no-lixo.html 2- Banco Mundial – “Gerenciamento de Resíduos Sólidos – Relatório de Diagnósticos e Modelagem”, Novembro2009, coordenação Paul Procee, autoria: /consórcio MPDZ (Machado Meyer, Pinheiro Pedro, Destra, Z3M – coordenação Antonio Fernando Pinheiro Pedro). 3- Presidência da República – Secretaria de Assuntos Estratégicos-SAE e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – “Normas e Diretrizes para a Disposição Final de Rejeitos e, Quando Couber, de Resíduos” – consultor: Antonio Fernando Pinheiro Pedro, 2014. * RELATÓRIO MUNDIAL DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS 2018 **PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – O Resgate do Ambiente de Regulação, in Blog The Eagle View, 19Agosto2015, in https://www.theeagleview.com.br/2015/08/o-resgate-do-ambiente-de-regulacao.html ***PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – Gestão de Recursos Hídricos – Novas Reflexões Estratégicas, in Blog The Eagle View, 7Maio2013, in https://www.theeagleview.com.br/2013/05/gestao-de-recursos-hidricos-novas.html
11 set., 2021
O MODELO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS E A NECESSIDADE DE EQUILÍBRIO ENTRE AS DECISÕES TÉCNICAS E POLÍTICAS Por Rodrigo Vieira das Neves de Arruda Sumário: Intrudução;1- Agências Reguladoras no Brasil: Histórico e Características; 2- O Modelo Tecnocrata;3- Tecnocracia e Agências Reguladoras; Considerações Finais; Referências Resumo O presente trabalho busca analisar o modelo das Agências Reguladoras brasileiras e a necessidade de um equilíbrio entre as decisões técnicas e políticas no âmbito delas. Para isso, parte do histórico das Agências Reguladoras no Brasil, passa pela teoria Tecnocrata, suas peculiaridades e riscos para o Estado, após isso, relaciona o caráter técnico das Agências com essa teoria, fazendo o contraponto com a democracia e a política, por fim, trata da participação popular nas Agências Reguladoras e conclui por uma necessidade de modernização do modelo. Palavras-chave: Agências Reguladoras; Intervenção do Estado; Economia; Tecnocracia; Democracia; Política; Participação popular; Controle. Abstract This paper seeks to analyze the model of Brazilian Regulatory Agencies and the need for a balance between technical and political decisions within them. For that, part of the history of the Regulatory Agencies in Brazil, goes through the Technocrat theory, its peculiarities and risks to the State, after that, it relates the technical character of the Agencies with this theory, making the counterpoint with democracy and politics, finally , deals with popular participation in Regulatory Agencies and concludes that there is a need to modernize the model. Keywords: Regulatory Agencies; State intervention; Economy; Technocracy; Democracy; Policy; Popular participation; Control. Introdução Com o término do Absolutismo, e a limitação ao poder do Soberano, os indivíduos foram alçados à uma posição de maior destaque em relação ao Estado, prevalecendo, no campo do direito, as relações privadas. Contudo, nos últimos tempos, o Estado passou a exercer, novamente, um papel cada vez maior nas sociedades, sendo um dos principais atores das economias globais, e quando falamos dos países emergentes, seu papel se mostra ainda maior. Seja com intervenção na economia ou sobre a economia. Nessa esteira, o “Leviatã contemporâneo 1 ” buscou diversos instrumentos para se modernizar e acompanhar o ritmo das empresas/mercados que pretendia atuar e/ou fiscalizar e a busca por especialização se tornou inevitável. Assim, surgem, dentre outras, as Agências Reguladoras, uma espécie de “tecnocracia” capaz de regular as complexidades dos setores econômicos hodiernos. No caso brasileiro, sua história se inicia em meados da década de 1990, pelo do fato de que a retirada do Estado brasileiro das atividades de produção direta de bens e prestação de serviços – redução do papel de “Estado-empresário” – ampliou sobremaneira a relevância da intervenção estatal regulatória nos setores que passaram a ser explorados pela iniciativa privada (intervenção do Estado sobre a economia). No caso brasileiro, as agências surgiram para regular setores que antes eram umbilicalmente ligados ao aparelho estatal e lhe foi garantida autonomia dos agentes políticos tradicionais, contudo, isso acabou gerando novos desafios para equilibrar essas noveis instituições, como, por exemplo, aumentar a participação popular e dos agentes regulados na definição das políticas e regras elaboradas por elas, bem como o controle dos atos praticados por seus agentes, além de trazer à balia o debate do Estado técnico, e quão benéfico/maléfico isso seria. Desse modo, o presente trabalho busca analisar a necessidade de um equilíbrio entre as decisões técnicas e políticas e, para tanto, parte da criação das Agências Reguladoras no Brasil, passa pela teoria Tecnocrata, suas peculiaridades e riscos para o Estado, após isso, relaciona o caráter técnico das Agências com essa teoria, fazendo o contraponto com a democracia e a política, por fim, trata da participação popular nas Agências Reguladoras e conclui por uma necessidade de modernização do modelo. 1- Agências Reguladoras no Brasil: Histórico e Características A partir de meados da década de 1990, chegava-se ao fim da era de intervenção expressiva do Estado diretamente na economia. Nas últimas décadas o processo de crescimento estatal para o fornecimento de bens e serviços se inverteu em todo o mundo e foi iniciada uma onda de privatizações que se apoiaram, de uma forma ou de outra, na existência de entidades e órgãos independentes que regulavam determinados setores da economia, privilegiando a intervenção estatal sobre a economia 2 . A justificativa para esse novo fluxo foi o crescimento distorcido do Estado, que, no processo de globalização, “entrou em crise e se transformou na principal causa da redução das taxas de crescimento econômico, da elevação das taxas de desemprego e do aumento da taxa de inflação que, desde então, ocorreram em todo o mundo” 3 . E, no Brasil, não foi diferente, com o aparecimento de teorias jurídicas para acompanhar as mudanças dos cenários internacional e nacional, colocando a desestatização de diversas empresas de âmbito federal como solução da má gestão pública. O processo brasileiro de privatizações se iniciou de forma diversa daquela ocorrida no restante do globo, pois não se valeu da existência prévia de entidades e órgãos de regulação, os quais só foram criados após a privatização de diversos setores, tais como: telefonia, energia elétrica e petróleo. Ainda que tardias, as Agências Reguladoras brasileiras vieram como uma solução para a incapacidade do Estado de manter o padrão regulatório utilizado nos anos anteriores 4 . Nesse sentido, Alexandre Santos de Aragão nos ensina que a especialização dessas entidades representou uma solução para tentar minimizar o déficit do Estado frente à “emergente realidade socioeconômica multifacetária” com a qual o país se deparou 5 . Conforme analisa Marçal Justen Filho, a interpretação original da Ordem Econômica contida na Constituição da República de 1988 e a diferenciação entre os conceitos de serviço público e de atividade econômica (sentido estrito) relacionam-se com uma concepção providencialista, que presume a existência de distinção absoluta entre os dois conceitos. No entanto, os modelos de interpretação jurídica e de concepções doutrinárias da ordem econômica contidos na carta maior foram ultrapassados pela dinâmica dos fatos. Desse modo, os processos de privatização e de reforma do Estado brasileiro não foram acompanhados pelo desenvolvimento de soluções jurídicas para a etapa posterior 6 . Assim, as agências independentes se mostraram como uma aproximação entre o direito e a economia que transformaram o Direito Público para que esse consiga aceitar a multiplicidade de fontes normativas7. Em decorrência da necessidade de estabilidade econômica, o bastante para atrair investimentos de capitais estrangeiros em diversos setores da economia (em especial os de infraestrutura), inspiradas no sistema norte-americano foram criadas as Agências Reguladoras, no intuito de regularem os serviços públicos de competência da União, afastando do marco regulatório as ideologias político-partidárias8. No Brasil levou-se quase uma década para que a doutrina conseguisse entender e explicar a reinvenção da administração pública quando da transformação do sistema burocrático interventivo direto para um modelo gerencia9. A coordenação do sistema econômico no capitalismo está dividida entre o mercado e o Estado e, sempre que surge alguma crise, é desencadeada por falha de alguns desses agentes: a “Grande Depressão dos anos 30 decorreu do mau funcionamento do mercado, a Grande Crise dos anos 80, do colapso do Estado Social do século vinte”10. Para Bresser Pereira 11 , a crise brasileira da década de 80, que se arrastaria por quase toda a década de 90, é uma crise do Estado oriunda do desajuste fiscal que esgota a conduta intervencionista, tornando premente a agenda de reformulação do Estado. Continua o autor expondo que essa reformulação estaria de acordo com as diretrizes emanadas de organismos internacionais, os quais dispunham que o Estado deveria diminuir sua ação intervencionista, voltando-se para aquelas que lhe são específicas. Desse modo, para o autor, os componentes básicos para a reforma do Estado são quatro: (a) A delimitação das funções do Estado, reduzindo seu tamanho em termos principalmente de pessoal através de programas de privatização, terceirização e publicização (este último processo implicando a transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta); (b) A redução do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário através de programas de desregulação que aumentem o recurso aos mecanismos de controle via mercado, transformando o Estado em um promotor da capacidade de competição do país a nível internacional ao invés de protetor da economia nacional contra a competição internacional; (c) O aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decisões do governo, através do ajuste fiscal, que devolve autonomia financeira ao Estado, da reforma administrativa rumo a uma administração pública gerencial (ao invés de burocrática), e a separação, dentro do Estado, ao nível das atividades exclusivas de Estado, entre a formulação de políticas públicas e a sua execução; e, finalmente, (d) O aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo, graças à existência de instituições políticas que garantam uma melhor intermediação de interesses e tornem mais legítimos e democráticos os governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle social ou democracia direta12. Na redefinição das atividades exclusivas de Estado, Bresser Pereira coloca as Agências Reguladoras abaixo do núcleo estratégico e em correlação com as secretarias formuladoras de políticas públicas e as agências executivas. Dentre as atividades do Estado, a intervenção sobre o domínio econômico sempre estará presente 13 . O que muda com a reforma proposta por Bresser Pereira é que o país deixaria de atuar com tanta preponderância como um dos agentes econômicos de desenvolvimento direto, e passaria a atuar de forma indireta, ou seja, no planejamento, na regulação, no fomento e na fiscalização, isto é, o Estado deixaria de intervir tanto na economia para intervir mais sobre a economia 14 . Leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro que as agências brasileiras foram inspiradas nas comissões independentes dos Estados Unidos, país cuja doutrina jurídica se baseou nos seguintes elementos: a) A ideia de especialização, que foi a grande inspiradora do modelo, diante do crescimento do Estado e da complexidade das novas funções por ele assumidas; b) A ideia de neutralidade em relação aos assuntos políticos, garantida pela estabilidade outorgada aos seus dirigentes; c) A ideia de discricionariedade técnica, que era uma decorrência da especialização; por outras palavras, os assuntos técnicos, por envolverem conhecimentos especializados, eram de competência das agências, ficando livres de controle jurisdicional 15 . A criação de um poder neutro do ponto de vista das tendências políticas, utilizada originariamente na teoria jurídica americana, foi trabalhada por Alexandre Santos de Aragão como a teoria dos poderes neutrais. Esses poderes neutrais são utilizados pelo Estado, a partir de seus órgãos autônomos, para assegurar o controle e o equilíbrio das relações originárias dos titulares dos cargos eletivos, com vias a preservar os interesses maiores da coletividade 16 . Nesse sentido, o professor explica: Uma das razões para o surgimento de autoridades independentes de regulação da economia é a crise de legitimação que caiu sobre o controle político da economia por parte dos partidos políticos; a subtração de frações do poder do vértice da administração de derivação política, e a sua atribuição a estruturas dotadas de elevada competência técnica e de independência, tem o sentido de tornar mais neutra e técnica a decisão administrativa. Os mesmos argumentos utilizados na teoria jurídica americana para legitimar as entidades reguladoras independentes foram utilizados no Brasil, sem, contudo, haver a transposição integral da teoria que as legitimou e da amplitude dos poderes normativos que lá possuem 17 . A regulação iniciada no Brasil com a criação das primeiras Agências Reguladoras iniciou um novo capítulo no direito administrativo, já que a legislação as dotou de natureza jurídica de autarquia em regime especial, o que lhes confere autonomia para o exercício de suas competências: 1) autonomia administrativa, que, pela inexistência de recurso hierárquico, garante a independência técnica; 2) a autonomia financeira, com a instituição legal de receitas e rubricas próprias; 3) autonomia normativa18. Joaquim Barbosa Gomes, tomando por base o trabalho desenvolvido por Floriano Neto, também desenvolve o tema sobre a autonomia das Agências Reguladoras, afirmando que, sem o insulamento dessas entidades, elas seriam apenas novos órgãos na estrutura hierárquica do Estado, e que, para o exercício de suas funções, é necessário: (a) A independência política dos gestores, que decorre da nomeação de agentes administrativos para o exercício de mandatos a termo, o que lhes garante estabilidade nos cargos necessária para que executem, sem ingerência política do Executivo, a política estabelecida pelo Legislativo para o setor; (b) A independência técnica decisional, que assegura a atuação apolítica da agência, em que deve predominar emprego da discricionariedade técnica e da negociação sobre a discricionariedade político-administrativa; (c) A independência normativa, um instituto renovador, que já se impõe como instrumento necessário para que a regulação dos serviços públicos se desloque dos debates político-partidários gerais para se concentrarem na agência; (d) A independência gerencial, financeira e orçamentária, que completa o quadro que se precisa para garantir as condições internas de atuação da entidade com autonomia na gestão de seus próprios meios19. Garantida a possibilidade de a entidade de regulação possuir autonomia técnica e administrativa conforme tratado acima, faz-se necessário definir quais seriam suas competências básicas, que, para Floriano Neto, são: (i) Normativa, correspondente à capacidade de emitir comandos gerais e abstratos, em conformidade com a lei, mas independentemente do poder regulamentar atribuído ao chefe do Poder Executivo; (ii) Adjudicatória, consistente na prerrogativa de emissão de atos concretos voltados a admitir a integração de atores econômicos no setor regulado (v.g., licenças, autorizações, concessões, permissões) e para conferir-lhes direitos específicos (como na regulação tarifária, quando existente); (iii) Fiscalizatória, para monitorar a ação dos particulares e exigirlhes atuação conforme a ordenação do setor; (iv) Sancionatória, para reprimir condutas que discrepem dos padrões estabelecidos e coibir falhas de mercado ou violações aos direitos dos consumidores dos bens ou serviços regulados; (v) Arbitral, para dirimir conflitos entre regulados, sem prejuízo da inafastabilidade da apreciação judicial; e (vi) De recomendação, traduzida no “poder-dever” de subsidiar, orientar e informar ao poder político as necessidades de formulação ou reformulação nas políticas públicas setoriais20. E continua o autor justificando que o exercício da regulação deve envolver alta especialização, de modo a: (i) permitir maior eficácia de suas decisões; (ii) impedir decisões que, por desconhecimento das peculiaridades do setor, levem à sua desorganização; (iii) reduzir o déficit informacional entre o ente público e o agente privado, permitindo que a interlocução entre eles não seja passível de manipulação pelo mercado21. No exercício da competência normativa, é importante ressaltar que as Agências Reguladoras brasileiras, diferentemente do que ocorre no direito americano, não possuem delegação legislativa, mas tão somente competência para expedirem regulamentos complementares. Desse modo, não é lícito interpretar que da regulamentação expedida pela Agência Reguladora se possa impor aos usuários obrigações que não estejam originariamente previstas em lei 22 . Contudo, o que acontece, muitas vezes, na prática, é que as leis instituidoras das Agências Reguladoras acabam por tratar de questões da forma mais genérica e abrangente possível a fim de garantir o máximo de liberdade aos regulamentos complementares a serem expedidos futuramente, de modo que, mesmo indiretamente, há certa “delegação” revestida de autonomia. Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos recorda que pela teoria jurídica americana, elaborada a partir de decisão da Suprema Corte, delimita-se a atuação normativa daquelas agências a partir de três premissas: a justificativa para a delegação de função normativa às agências baseou-se em verdadeiro tripé construído pela Corte Suprema: a) A lei delega essa função à agência, mas o faz limitadamente, na medida em que os regulamentos por elas baixados devem obediência aos conceitos indeterminados contidos na lei; quer dizer que se adotou o sistema da chamada lei-quadro; os regulamentos baixados pelas agências são obrigatórios, têm força de lei e podem inovar na ordem jurídica; mas têm que sujeitar-se aos standards, diretrizes, princípios, contidos na lei; daí falar-se em função quase legislativa; b) Para dar legitimidade a essa função, instituiu-se um procedimento a ser obrigatoriamente observado, seja nas decisões dos casos concretos, seja na elaboração dos regulamentos; e esse procedimento exige obrigatoriamente a participação dos interessados, em maior ou menor escala, nas várias fases de elaboração da norma, com obrigatoriedade de divulgação dos projetos, realização de audiências públicas, recebimento de sugestões, obrigatoriedade de motivação quanto à aceitação ou não dessas sugestões pela agência; vale dizer, impôs-se o devido processo legal, em sua feição adjetiva, para elaboração dos regulamentos pelas agências; c) Para aperfeiçoar o controle judicial, construiu-se a doutrina do devido processo legal assubstantivo, que permite ao Judiciário examinar, além da observância do procedimento pela agência, também a razoabilidade de suas decisões diante dos conceitos jurídicos indeterminados contidos na lei; quer dizer que a evolução do princípio do devido processo legal deu-se no sentido de tornar cada vez mais rigoroso o formalismo do procedimento, com exigências feitas pela Corte Suprema quanto à motivação, à racionalidade das decisões diante dos dados colhidos pelas agências, à relação custo benefício das medidas e normas adotadas23. Cumpre ressaltar que a atuação da Agência Reguladora na sua principal atividade – função normativa – gera na doutrina pátria alguns confrontos, em especial pelo distanciamento jurídico que existe entre os sistemas americano e brasileiro sobre o princípio da legalidade. Contudo, a principal linha utilizada pelos defensores da manutenção dessas entidades de regulação está na nova dinâmica social que deixa o Poder Legislativo atônito e o Poder Judiciário paralisado perante as frenéticas mudanças comportamentais, o surgimento de novas tecnologias e a crescente adesão a elas. Alexandre Santos de Aragão, expõe sobre o poder normativo das agências: […] o poder normativo das Agências Reguladoras, com seu dinamismo, independência, especialização técnica e valorização das soluções consensuais, deve ser valorizado como um importante instrumento de intercomunicação do sistema jurídico com os demais subsistemas sociais envolventes (econômico, familiar, cultural, científico, religioso etc 24 . Por mais que haja motivos para a especialização da nova atuação administrativa regulatória, é necessário compreender que as Agências Reguladoras trabalham em tensão com alguns temas, sendo eles, segundo Gustavo Binenbojm: (I) A tensão com o princípio da legalidade, decorrente da adoção por diversas agências da tese da deslegalização e da banalização da edição de atos normativos; (II) A tensão com o sistema de separação de poderes e de freios e contrapesos, decorrente da fragilidade dos mecanismos políticos de controle do Presidente e do Congresso, e da timidez do próprio Judiciário no controle político; (III) A tensão com o regime democrático, especialmente em decorrência da não sujeição dos administradores aos procedimentos de accountability eleitoral e da circunstância de estarem investidos em mandatos a termo, que ultrapassam os limites dos mandatos dos agentes políticos eleitos25. Representando esses temas importante contribuição para a concretização do intuito normativo das Agências Reguladoras, elas devem traçar os limites de sua atuação e de sua estrutura regulatória atendendo a determinados princípios, que se tornam instrumentos de compatibilização da função delas frente à delimitação de sua performance de controle e legitimação de seu procedimento, sendo o grande desafio das Agências Reguladoras pátrias aumentar a participação dos regulados e o controle social na formulação de suas políticas e em seus processos decisórios. 2- O Modelo Tecnocrata Não raro, aparecem na mídia referências à ascensão de governos “tecnocratas”, e muitas vezes, ao ouvirmos o termo, temos a ligeira impressão de que se cuida de algo positivo, referente a um governo “sério”, mas não temos uma ideia muito clara do que se trata. No seu sentido etimológico, tecnocracia remete a uma forma de governo dominada técnicos ou cientistas (Téchne = técnica; Krátos = governo). A tecnocracia, portanto, é a manifestação política de uma corrente doutrinária: o cientificismo 26 . Segundo ela, a tendência natural da evolução humana seria abandonar a política tal como ela é, em privilégio de formas “técnicas” de governo, livre das “influências espúrias” do mundo político. A origem do termo é bastante controversa. Alguns atribuem sua invenção à Adam Smith, pai da Economia moderna. Outros, dizem que doutrinadores franceses são os idealizadores, enquanto americanos reivindicam a originalidade do termo. Seja como for, a verdadeira tecnocracia só teve lugar a partir do século XX. É possível identificar suas raízes em governos totalitários dos anos 1930, vez que ao se optar por critérios puramente técnicos excluem-se qualquer juízo de valor ético ou moral das decisões políticas, sendo um ótimo modelo para as ditaduras justificarem suas ações. De outro giro, até mesmo em governos democráticos, como nos Estados Unidos dos anos 50/60, auge do welfare state, é possível encontrarmos traços da tecnocracia. Robert McNamara27 pode ser citado como um típico exemplo de tecnocrata28. Segundo a ordem tecnocrata, técnicos e cientistas dos mais diversos ramos do conhecimento passariam a ocupar, paulatinamente, espaços no organograma estatal. Com o tempo, a ciência se elevaria naturalmente a posições de maior relevo, até conquistar por completo o poder político. Uma vez instalada nos altos círculos da República, a tecnocracia se encarregaria de conduzir a Nação ao desenvolvimento pleno, pois suas opções sempre seriam guiadas por critérios tecnocientíficos, imunes a pressões de qualquer ordem 29 . O que a tecnocracia oferece de mais vantajoso é justamente aquilo que representa seu maior risco: o abandono completo das opções políticas. Como o tecnocrata não atende a nenhum mestre senão a ciência, não está vinculado à princípios ou valores de ordem ética ou moral. Ao contrário do político, que tem de dar satisfações ao seu eleitor a cada quatro anos, o tecnocrata fará o que entender certo, mesmo que isso conduza ao desastre, pois não depende do povo para ocupar o seu cargo. Portanto, um governo verdadeiramente democrático não pode se cercar apenas de tecnocratas, mas deve buscar o equilíbrio entre estes e os políticos tradicionais. 3- Tecnocracia, Agências Reguladoras e Interesse Público No contexto do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em 1995, surgiu a figura das agências reguladoras no Brasil, fortemente inspiradas pelo modelo de agência norte-americano. Inicialmente, representavam a esperança em uma administração pública mais imparcial e eficiente, livre da influência política e alinhada com os países mais avançados do mundo. Entretanto, nesses mais de vinte anos desde a criação desse modelo, alguns problemas se mostraram evidentes: indicação política dos presidentes e diretores, influência do Mercado nas indicações (Mercado + Política = dominação “financeirizada e mercadolítica”), ausência de concurso público para o preenchimento dos seus cargos, maior defesa dos interesses dos governantes do que do governo, maior defesa do mercado que dos consumidores, partidarização das indicações, debilidade das entidades dos consumidores, uso da coisa pública para fins privados, contribuição para o aumento do custo Brasil30, entre muitos outros31. Nesse sentido, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso fala em “deformação das agências em virtude do loteamento político” e complementa que agências reguladoras politizadas não geram segurança jurídica que é fundamental seja para a observância dos contratos, seja para o alavancamento dos investimentos e do crescimento econômico. Não contribuem, ademais, para o rigoroso controle fiscal que necessitamos, nem para o aprimoramento da democracia 32 . Além disso, outro desafio enfrentado pelas Agências Reguladoras, como já registrado anteriormente, é a falta de efetividade da participação popular e dos setores regulados na elaboração de seus normativos bem como na definição de suas políticas estratégicas. Isso se deve ao fato de que, embora os instrumentos de participação existam, na pratica acabam sendo, apenas, pro forme, tendo em vista que muitas Agências buscam, quando possível, ignorar as sugestões apresentadas pela sociedade civil. Justamente nesse cenário político-jurídico, surgiu a Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019, que “dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras”, além de determinar a regulamentação do conteúdo e metodologia da análise de impacto regulatório, buscando solucionar a questão 33 . Considerações Finais O processo de modernização do Estado brasileiro foi marcado pela predominância da tecnocracia sobre a democracia, o que nunca contribuiu verdadeiramente para a efetivação de uma administração pública transparente e eficiente. Quando levamos em conta a quantidade de ações judiciais promovidas (quase 5 milhões em setores regulados pelas Agências, desde 2015 34 ), é evidente que as Agências Reguladoras precisam ser reformadas. Isso não significa dizer começar tudo do zero, mas, ao contrário, o que deve-se buscar é o equilíbrio entre a tecnocracia e a política, a fim de que as Agências Reguladoras mantenham seu caráter especializado com seus quadros qualificados, e, também, atendam aos anseios da nação. Assim, é necessário um importante debate de modo a garantir que os processos decisórios estatais sejam marcados, ao mesmo tempo, pela fundamentação crítica e tecnocientífica, mas sem deixar de ter como norte os princípios e valores constitucionais. É preciso também assegurar que os recursos destinados às Agências Reguladoras, sejam gastos com eficiência, ampliando a participação e o controle da sociedade civil capaz de garantir que tais políticas estejam realmente voltadas para o interesse público. Notas 1. Referência à obra de Thomas Hobbes de 1651. 2. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 3. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Administração Federal e Reforma do Estado. Cadernos MARE, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, Brasília, DF, 1997. Pág. 7. 4. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências Reguladoras: A “Metarmofose” do Estado e da Democracia (uma Reflexão de Direito Constitucional e Comparado). In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro – RJ: Lumen Juris, 2006. p. 21-58. 5. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 6. FILHO, Marçal Justen. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 7. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 8. FILHO, Marçal Justen. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 9. Op. Cit. 10. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Administração Federal e Reforma do Estado. Cadernos MARE, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, Brasília, DF, 1997. Pág. 9. 11. Op. Cit. 12. Op. Cit. Págs. 10/11. 13. Idem. Pág. 24. 14. BARROSO, Luís Roberto. Agências Reguladoras. Constituição, transformações do Estado e Legitimidade Democrática. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. p. 59-88. 15. DI PIETRO, Maria S. Z. Regulação, Poder Estatal e Controle Social. Revista de Direito Público da Economia RDPE. Belo Horizonte, n. 11, ano 3 Julho/Setembro 2005 Disponível em: . Acesso em: 21 agosto 2020. 16. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A legitimação Democrática das Agências Reguladoras. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. Pág 18. 17. Op. Cit. 18. NETO, Floriano A. M. A regulação no setor de saneamento. In MINISTÉRIO DAS CIDADES. SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL. Lei Nacional de Saneamento Básico: Perspectivas para as Políticas e Gestão dos Serviços Públicos. Brasília, 2011, Livro I, p. 167-195. 19. GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências Reguladoras: A “Metarmofose” do Estado e da Democracia (uma Reflexão de Direito Constitucional e Comparado). In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro – RJ: Lumen Juris, 2006. Págs 35/36. 20. NETO, Floriano A. M. A regulação no setor de saneamento. In MINISTÉRIO DAS CIDADES. SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL. Lei Nacional de Saneamento Básico: Perspectivas para as Políticas e Gestão dos Serviços Públicos. Brasília, 2011, Livro I, págs. 182/183. 21. Op. Cit. Pag. 185. 22. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A legitimação Democrática das Agências Reguladoras. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. p. 1-20. 23. DI PIETRO, Maria S. Z. Regulação, Poder Estatal e Controle Social. Revista de Direito Público da Economia RDPE. Belo Horizonte, n. 11, ano 3 Julho/Setembro 2005 Disponível em: . Acessado em: 21 agosto 2020. 24. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 148, a. 37, outubro / Dezembro 2000. Disponível em: . Acessado em: 02 de fevereiro de 2021. 25. BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras Independentes e Democracia no Brasil. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro – RJ: Lumen Juris, 2006. p. 89-110. 26. Cientificismo ou cientismo é a tendência intelectual ou concepção filosófica de matriz positivista que afirma a superioridade da ciência sobre todas as outras formas de compreensão humana da realidade (religião, filosofia, metafísica, etc.), por ser a única capaz de apresentar benefícios práticos e alcançar autêntico rigor cognitivo. Assim, preconiza o uso do método científico, tal como é aplicado às ciências naturais, em todas as áreas do saber (filosofia, ciências humanas, artes etc.). Segundo Karl Popper, o cientificismo é a crença dogmática na autoridade do método científico e nos seus resultados. O termo também implica a atitude de atribuir valor altamente positivo ao papel da ciência no desenvolvimento da cultura em particular, e da sociedade em geral. No entanto esta tendência muitas vezes é entendida de modo pejorativo, como uma forma extrema de valorização da ciência ou estreitamente relacionada com o positivismo lógico, por ter sido usado por cientistas sociais como Friedrich Hayek, filósofos da ciência como Karl Popper e Hilary Putnam, ou historiadores das ideias, como Tzvetan Todorov, para descrever o apoio dogmático ao método científico e a redução de todo o conhecimento a tudo o que é mensurável. Esta tendência intelectual de matriz positivista preconiza a adoção do método científico, tal como é aplicado às ciências naturais, em todas as áreas do saber e da cultura (filosofia, ciências humanas, artes, etc.), e tem sido geralmente interpretada de maneira depreciativa. Por outro lado, os defensores do cientificismo, entre eles o filósofo da ciência Mario Bunge, o historiador da ciência Michael Shermer e o filósofo Daniel Dennett, afirmam que a ideia do cientificismo não é ser uma doutrina que defenda a aplicação da ciência em todos os níveis, mas uma visão de que a ciência é o melhor caminho que existe para conhecer o mundo e possibilitar o desenvolvimento tecnológico. 27. Robert Strange McNamara (São Francisco, 9 de junho de 1916 – Washington, D.C., 6 de julho de 2009) foi um empresário e político norte-americano que serviu como o 8º Secretário de Defesa dos Estados Unidos de 1961 a 1968 durante as presidências de John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, período em que ele teve um importante papel no aumento do envolvimento norte-americano na Guerra do Vietnã. Depois de sair do cargo ele serviu como presidente do Banco Mundial até 1981. McNamara foi o responsável por instituir a análise de sistemas na política pública, que se desenvolveu no que hoje é conhecido como análise política. Ele consolidou as funções de inteligência e logística do Departamento de Defesa em duas agências: a de Inteligência de Defesa e a de Logística de Defesa. Antes de entrar na política, McNamara foi um dos veteranos da Segunda Guerra Mundial que ajudou a Ford Motor Company a se reerguer depois do conflito, brevemente servindo como seu presidente antes de se tornar Secretário de Defesa. 28. CAPLAN, B. The myth of the rational voter: why democracies choose bad policies. Princeton, NJ: PUP, EUA, 2007. 29. Op. Cit. 30. Nesse sentido, podemos destacar, a título de exemplo, que nos dois primeiros contratos de Patilha de Produção, segundo os cálculos oficiais da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, cerca de 75% do Petróleo ficaria para a União. 31. JACINT Jordana e LEVI-FAUR David, “¿Hacia un Estado regulador latinoamericano? La difusión de agencias reguladoras autónomas por países y sectores”, Documentos CIDOB, Barcelona, 2005. Disponível em www.cidob.org/es/content/download/2759/24123/file/doc_americalatina_7.pdf. Acesso em: 010/2/2021. 32. ___________ Agências reguladoras perderam seu papel, diz Barroso. Revista Exame, Publicado em: 21/08/2014 às 15h20. Disponível em: < https://exame.com/economia/agencias-reguladoras-perderam-seu–papel-diz-barroso/ > Acesso em: 02/02/2021. 33. Ainda é cedo para podermos afirmar categoricamente se a lei em epígrafe ira solucionar o problema, entretanto, é uma sinalização positiva em relação à segurança jurídica, contribuindo para atrair mais investimentos para o país. 34. Ver: IstoÉ de 13/02/2019. Referências Bibliográficas ___________ Agências reguladoras perderam seu papel, diz Barroso. Revista Exame, Publicado em: 21/08/2014 às 15h20. Disponível em: < https://exame.com/economia/agencias-reguladoras-perderam-seu–papel-diz-barroso/ > Acesso em: 02/02/2021. ANDRADE. Letícia Queiroz de. Poder normativo das agências reguladoras (legitimação, extensão e controle). Revista Brasileira de Direito Público RBDP. Belo Horizonte, n. 15, ano 4, Outubro/Dezembro 2006 Disponível em: . Acessado em: 03 de setembro de 2020. ARAGÃO, Alexandre Santos de. A legitimação Democrática das Agências Reguladoras. In BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro-RJ: Lumen Juris, 2006. p. 1-20. ARAGÃO, Alexandre Santos de. 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