Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
I. Introdução
O Brasil possui uma das maiores áreas costeiras do mundo, voltada para o Atlântico.Sua zona costeira corresponde a uma faixa onde interagem três sistemas: oceânico, atmosférico e continental, numa extensão de 7.400km e largura variável de 70 a 480km. A costa brasileira corresponde a 5% do território nacional; abrange 512 municípios e é povoada por aproximadamente 39 milhões de habitantes. Tais fatos, somados a uma pródiga dotação da natureza quanto a recursos biológicos e minerais, requerem adequada normatização, tanto para controle estatal como também, para definir à sociedade quais os usos possíveis dos recursos naturais litorâneos e marítmos, bem como do uso e ocupação do solo nas regiões costeiras. A qualidade de vida das populações que vivem na zona costeira, depende de sua boa condição ambiental, a ser preservada não só na área marinha, como também nas águas interiores, regiões estuarinas e no ecossistema florestal da mata atlântica.
A importância de nosso litoral é indiscutível. Nossa história demonstra que desde antes do descobrimento, sofríamos predação pirata de nossos recursos naturais. O país se desenvolveu inicialmente no litoral e só com o tempo o território interior foi ocupado.
Hoje, portos como o de Santos servem não só a economia brasileira, como também recebem carga para o Paraguai e a Bolívia – países sem saída para o mar.Tal fato ilustra a importância econômica e estratégica do litoral e da costa brasileira.
A preocupação do mundo com a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, assegurando a perpetuação da vida com qualidade para as futuras gerações, carreou ao Estado brasileiro, a necessidade de normatizar a utilização racional e sustentável de nossos recursos naturais, inclusive ao que diz respeito à nossa costa marítma.
A costa brasileira é parte de nosso território e abrange faixa marítma do Oceano Atlântico. Os oceanos são umas das últimas áreas do mundo em que prevalece o uso comum e o livre acesso das nações. A regulação do uso dos mares é tema de diversos tratados internacionais, alguns assinados por delegações diplomáticas brasileiras e transformados em lei interna.
Desta forma, o presente comentário visará analisar as normas de gerenciamento da costa brasileira, sendo que, para tanto, se faz necessário abordar os tratados internacionais assinados pelo Brasil, nossas normas constitucionais, e finalmente as normas infraconstitucionais de gerenciamento costeiro, hoje a ser implementado pela União, pelos Estados e também pelos municípios envolvidos.
II. Implicações de Direito Internacional
Não poderíamos abordar as normas de gerenciamento da costa brasileira, sem abordar os tratados de direito internacional sobre direitos do mar e proteção do meio ambiente, dos quais o Brasil é signatário.
Dois tratados internacionais merecem destaque, por sua importância e influência preponderante na construção da legislação brasileira sobre o mar, o litoral e seus recursos naturais: o primeiro, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que data de 10 de dezembro de 1982, e o segundo, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento , realizada no Rio de Janeiro em 1992.
A Convenção sobre o Direito do |Mar, realizada em Montego Bay, na Jamaica, tem em seu preâmbulo, a afirmação de que “os problemas do espaço oceânico estão estreitamente inter-relacionados, devendo ser considerados como um todo. Ao lado do respeito à soberania dos Estados, deverá haver uma ordem jurídica que facilite as comunicações internacionais e promova o uso pacífico dos mares, a conservação e utilização equitativa de seus recursos vivos e a proteção do meio marinho.”
A matéria tratada na referida Convenção, veio integrar o arcabouço legislativo interno do Brasil em 1995, através do decreto nº1530 de 22.6.1995. Criou o instituto da “Zona Econômica Exclusiva” que delimita o mar territorial do Estado Membro a 12 milhas náuticas, e uma zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas, medidas a partir da linha de base prevista no Tratado, onde o Estado tem exclusividade para aproveitamento de recursos naturais, proteção ambiental, pesquisa científica e instalação de plataformas. A soberania sobre as 12 milhas náuticas, estende-se ao espaço aéreo sobre tal área, bem como ao leito e ao subsolo do mar. A soberania sobre a plataforma continental, definida no artigo 76 da referida Convenção como o leito e o subsolo das águas submarinas além de seu mar territorial até o bordo exterior do bordo continental ou uma distância de 200 milhas marinhas da linha de base de que se mede a largura do mar territorial, é reconhecida para fins de exploração e aproveitamento de seus recursos naturais.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento , tratou em sua Seção III, Capítulo 17, da proteção dos Oceanos, de todos os tipos de mares, das zonas costeiras e do uso racional dos recursos vivos. Prevê gerenciamento integrado e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras, inclusive as zonas econômicas exclusivas; proteção do meio ambiente marinho; uso sustentável dos recursos marinhos vivos, tanto os de alto mar, quanto os de jurisdição nacional, e o fortalecimento da cooperação e da coordenação no plano internacional.
Tais instrumentos de Direito Internacional influem preponderantemente em nosso Direito interno, como veremos. Passaremos a comenta-lo, iniciando pelas disposições atinentes de direito constitucional.
III. A Costa marítima brasileira na Constituição Federal
Em seu artigo 225, a Constituição Federal determina que a proteção ambiental é dever de todos, sejam governo ou sociedade civil; outorga ao meio ambiente ,status jurídico de bem de uso comum do povo, a ser preservado em prol da qualidade de vida das presentes e futuras gerações. O mesmo artigo, em seu parágrafo 4º, declara como patrimônio nacional, entre outros ecossistemas, a zona costeira. Sua utilização deve ser feita, na forma da lei, em condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. A atividade econômica deverá ser sustentável sob a ótica ambiental – fato a ser previsto e assegurado pela lei infra constitucional de todos os entes federados.
Além de patrimônio nacional, o que gera a todos o dever de preservação, a zona costeira brasileira é bem da União, o que não significa que os Estados e municípios não participem ou integrem seu gerenciamento, estando a zona costeira inserida em seus territórios, gerando o direito e o dever de administração. Com efeito, o artigo 20 da Carta Magna, inclui no rol de bens da União, as praias marítimas; as ilhas oceânicas e costeiras; o mar territorial; os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, e os terrenos de marinha e seus acréscimos. Todos os entes federados terão participação no resultado ou compensação financeira, quando da exploração de recursos minerais em seu território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva ( art.20,§ 1º, regulamentado pela lei7.990/89). Compete ainda a União, segundo o artigo 21 da Constituição, explorar portos marítimos, o serviço de transporte aquaviário entre portos.
O artigo 22 determina a competência legislativa exclusiva da União sobre direito marítimo(inc. I) , defesa marítima(inc.XXVIII),regime dos portos e navegação marítima(inc.X).
Entretanto, todos os Estados litorâneos, ou inseriram a proteção da zona costeira nas próprias constituições estaduais, ou produziram seus próprios planos estaduais de gerenciamento costeiro, como é o exemplo de São Paulo. E tal se dá pelo disposto nos artigos 23, inc.VI, que estabelece competência legislativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, e 24, inc. VI de nosso diploma maior, que dispõe sobre competência concorrente para legislação entre a União, os Estados e o Distrito Federal sobre florestas, caça pesca, fauna, conservação da natureza , defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. Tais artigos se combinam harmonicamente com a disposição do § 4º do artigo 225, que outorga à zona costeira o status de patrimônio nacional, gerando o dever de preservação e de uso ambientalmente sustentável do referido ecossistema por todos os brasileiros – governo e sociedade civil – não só autorizando, como determinando que todos os entes federados possam legislar e praticar atos de administração dentro de suas esferas de competência.
IV. Da legislação infraconstitucional sobre gerenciamento da costa litorânea brasileira
A lei 7.661 de 16.5.1988 instituiu mecanismo denominado “Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro”, o qual tem a função precípua de “estabelecer normas gerais que visem à gestão ambiental da zona costeira do país, lançando as bases para formulação de políticas, planos e programas estaduais e municipais, para tanto, buscando os seguintes resultados:
O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, como vimos, é instrumento de gestão da costa litorânea brasileira estabelecido por lei federal, a qual determina normas gerais obrigatórias para os Estados e Municípios, e, dentro do conjunto de bens que integram a zona costeira, deve regular plenamente os bens da União – praias e mar territorial, cabendo aos Estados e Municípios, normas específicas sobre tal matéria, bem como regulação de controle de poluição em todas as suas formas e uso e ocupação do solo(incluindo possibilidade de limitação ao uso de imóveis) , podendo estabelecer normas mais restritivas, adequadas a suas peculiariedades.
Subordina-se o PNGC, aos princípios gerais da Política Nacional do Meio Ambiente, prevista na Lei 6938/81.Sua implementação cabe ao Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, como órgão máximo do SISNAMA, articulado com a CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, que instituiu o GI-GERCO – Grupo de Integração do Gerenciamento Costeiro, que deve promover a articulação das ações federais incidentes na zona costeira, integrando os Estados, Municípios e a sociedade nas ações de gerenciamento costeiro.
O Brasil já teve dois Planos Nacionais de Gerenciamento Costeiro, o segundo complementando e dando continuidade ao primeiro, elaborado em 1988, anterior portanto, não só à atual Constituição Federal, como também à Rio-92, retroreferida, em que necessitava de adaptação a tais institutos, o que aconteceu por resolução da CIRM, em 1998(resolução-5/97), ouvido o CONAMA-Conselho Nacional de Meio Ambiente.
Atualmente, os referidos grupos de trabalho se dedicam, inclusive, a planos e programas integrados de modernização portuária, no que diz respeito ao meio ambiente, abordando temas como contingência para preparação e resposta em caso de acidentes;controle ambiental da atividade portuária cotidiana, e diretrizes de gestão ambiental e ordenamento costeiro, voltadas à expansão e à modernização das áreas portuárias.
V. Licenciamento ambiental nas áreas costeiras
A lei 7661/88, em seu artigo 6º,§ 2º, prevê que o licenciamento ambiental se dará através de análise de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – EIA-RIMA, para qualquer “parcelamento ou remembramento do solo que possa causar qualquer alteração das características naturais da Zona Costeira, observando-se o princípio universal da precaução, sempre que existam motivos razoáveis de que a atividade possa causar risco ao meio marinho, à saúde pública, à biota ou signifique entrave a atividades de lazer público em praias. O EIA/RIMA, auditorias ambientais e avaliações ambientais estratégicas são instrumentos a serem utilizados na gestão das atividades portuárias e de navegação para transporte de substâncias de risco, como petróleo e resíduos tóxicos em águas territoriais brasileiras, obedecendo aos planos e programas anteriormente referidos, sob comando da CIRM.
VI. Conclusões
O Brasil possui excelente arcabouço normativo e estrutura administrativa para administrar sua zona costeira e seus recursos marinhos. Restaria apenas ,em nome da eficácia e da celeridade no licenciamento de atividades, que os recursos públicos voltados a tais atividades, fossem descentralizados e redistribuídos aos entes federativos direta e fisicamente envolvidos no gerenciamento costeiro: Estados e Municípios, a exemplo do que ocorre nos países mais desenvolvidos. Tal medida aceleraria a adaptação do PNGC às peculiariedades locais, tornando-o mais eficaz. Entretanto, é patente a evolução e o avanço de nossas normas, no cumprimento dos desígnios constitucionais, de conciliação das atividades de desenvolvimento econômico, realizadas de forma sustentada, visando a proteção do meio ambiente e a integridade de nossa costa marítima para as presentes e futuras gerações.
Autor: Antonio Fernando Pinheiro Pedro
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