Após decisão, MPF edita orientação sobre tais informações no registro de imóveis
Em julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC 13), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu quatro teses relativas ao direito de acesso à informação no direito ambiental, à possibilidade de registro das informações em cartório e à atuação do Ministério Público em tais questões. As teses foram as seguintes:
1. O direito de acesso à informação no direito ambiental brasileiro compreende: i) o dever de publicação, na internet, dos documentos ambientais detidos pela administração não sujeitos a sigilo (transparência ativa); ii) o direito de qualquer pessoa e entidade de requerer acesso a informações ambientais específicas não publicadas (transparência passiva); e iii) o direito a requerer a produção de informação ambiental não disponível para a administração (transparência reativa);
2. Presume-se a obrigação do Estado em favor da transparência ambiental, sendo ônus da administração justificar seu descumprimento, sempre sujeita a controle judicial, nos seguintes termos: i) na transparência ativa, demonstrando razões administrativas adequadas para a opção de não publicar; ii) na transparência passiva, de enquadramento da informação nas razões legais e taxativas de sigilo; e iii) na transparência ambiental reativa, da irrazoabilidade da pretensão de produção da informação inexistente;
3. O regime registral brasileiro admite a averbação de informações facultativas sobre o imóvel, de interesse público, inclusive as ambientais;
4. O Ministério Público pode requisitar diretamente ao oficial de registro competente a averbação de informações alusivas a suas funções institucionais.
Nos termos do artigo 947 do Código de Processo Civil de 2015, o IAC é admissível quando o julgamento de recurso envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos. O IAC está entre os precedentes qualificados de observância obrigatória pelos juízes e tribunais, conforme o artigo 927, inciso IIII, do CPC/2015.
A Quarta Câmara de Coordenação e Revisão (4ª CCR) do Ministério Público Federal (MPF) publicou uma orientação aos procuradores para que eles requeiram, quando for pertinente, a averbação de informações ambientais diretamente ao oficial de registro imobiliário.
A orientação do MPF é embasada na decisão tomada em maio deste ano pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 13, relatado pelo ministro Og Fernandes.
Especializada em meio ambiente e patrimônio cultural, a 4ª CCR do MPF atua por meio de grupos de trabalho, projetos e ações coordenadas em defesa desses interesses, além de publicar documentos para orientar a atuação dos procuradores em todo o Brasil.
Informação ambiental é elemento primordial da democracia
No julgamento do IAC 13, o ministro Og Fernandes explicou que o debate sobre o assunto diz respeito à incidência da Lei de Acesso à Informação (LAI) e da Lei de Acesso à Informação Ambiental.
Segundo o relator, o acesso à informação ambiental é elemento primordial, "transcendente e magnético", em tudo aquilo que diga respeito à coisa pública e à democracia, em especial nas matérias ecológicas. Em seu voto, Og Fernandes destacou que a atuação do MP em casos envolvendo questões ambientais é, costumeiramente, uma medida extrema com o fim de impor deveres na esfera ambiental, em um contexto de descumprimento de obrigações pelo Estado.
Ele afirmou que, embora a Lei de Registros Públicos não imponha a averbação da Área de Proteção Ambiental (APA) na matrícula dos imóveis abrangidos pela unidade de conservação, tampouco há impedimento legal.
Ficou definido no acórdão da Primeira Seção, entre outros pontos, que "o regime registral brasileiro admite a averbação de informações facultativas sobre o imóvel, de interesse público, inclusive as ambientais"; e, ainda, que "o Ministério Público pode requisitar diretamente ao oficial de registro competente a averbação de informações alusivas a suas funções institucionais".
A orientação da 4ª CCR ratifica os fundamentos da decisão do STJ, estimulando ações dos membros do MP na divulgação ampla de informações ambientais.
Estado e transparência passiva, ativa e reativa
Og Fernandes explicou que o direito de informação ambiental é formado de duas partes principais: o direito de as pessoas requisitarem informações ambientais ao Estado (transparência passiva) e o dever estatal de fornecer informações às pessoas (transparência ativa). O magistrado lembrou que, embora tradicionalmente o poder público tenha se pautado pela transparência passiva, a tendência atual é de ampliação da transparência ativa – elemento revelador do nível de maturidade democrática e civilidade do país.
Nesse contexto, o ministro apontou que o artigo 2º da Lei de Acesso à Informação Ambiental protege o direito público de acesso às informações sob guarda da administração relativas a políticas, planos e programas causadores de impacto ambiental, entre outros assuntos. Já o artigo 8º da LAI estipula como dever dos órgãos públicos promover, independentemente de requerimentos, a divulgação de informações de interesse coletivo por eles produzidas ou custodiadas.
"Deve-se integrar as duas normas e intensificar seus efeitos. A partir da LAI, não há mais dúvidas de que o direito de acesso à informação não é unicamente um direito de defesa do cidadão contra o abuso estatal, mas um dever prestacional do Estado democrático", comentou o magistrado ao lembrar que o plano de manejo ambiental – objeto de discussão nos autos – se inclui entre essas informações de interesse social amplo.
Administração tem o dever de oferecer acesso e produzir informação ambiental
No caso analisado, Og Fernandes entendeu que não seria lógico que a Lei 9.985/2000 previsse a participação social na gestão das unidades de conservação ambiental e o poder público vedasse ou dificultasse o acesso da sociedade às informações sobre a execução do plano em APAs.
"A administração tem o dever não só de viabilizar o acesso à informação ambiental sob sua guarda, como também de produzi-la. Digamos, configurado na hipótese, o dever de transparência reativa, à míngua de melhor nome", sugeriu o relator.
Diante do princípio da máxima publicidade na esfera ambiental, o ministro também reforçou que as situações de sigilo são extremamente excepcionais, competindo ao Estado demonstrar a presença de circunstâncias restritivas ao direito de informação.
Para Og Fernandes, o Judiciário deve considerar a obrigação da publicidade das informações ambientais para, a partir dessa perspectiva, analisar as razões da administração para não divulgar determinado dado – sem ceder à simples justificativa da discricionariedade administrativa.
"Nessa lógica, sob qualquer ângulo, parece-me inegável o dever estatal – no caso concreto, da municipalidade – de franquear acesso às informações da execução do Plano de Manejo da APA do Lajeado, de forma proativa, fácil, clara, ampla e tempestiva", declarou.
Registro de informações ambientais traz diversos benefícios
Sobre a atuação do MP, o ministro apontou que a sua intervenção é, costumeiramente, a medida extrema para imposição de deveres na esfera ambiental – em contexto no qual, como indica o caso dos autos, já houve o descumprimento de obrigações pelo Estado.
Em relação ao registro da APA nos imóveis abrangidos pela unidade de conservação, Og Fernandes destacou que, embora a Lei de Registros Públicos não tenha norma impositiva de averbação de áreas de proteção ambiental, tampouco há vedação legal. "Ao contrário: em atenção ao princípio da concentração, consta na lei previsão expressa quanto à possibilidade de averbações facultativas", disse o relator.
No mesmo sentido, ele lembrou que a Lei de Registros Públicos, em seu artigo 13, prevê a prática de atos de registro a requerimento do Ministério Público, quando a lei autorizar. Entre as hipóteses legais de atuação direta do MP, afirmou, está exatamente a proteção do meio ambiente.
"Assim, sendo o registro a 'certidão narrativa' do imóvel, nada veda que, a requerimento do MP, se efetue a averbação de fatos relevantes da vida do bem, com o intuito de ampla publicidade e, na espécie, efetivação e garantia dos direitos ambientais vinculados ao uso adequado de recursos hídricos para consumo humano", afirmou.
Em seu voto, Og Fernandes ainda enfatizou que a averbação das informações da APA no registro imobiliário traz vários benefícios, entre eles a identificação precisa dos imóveis e suas restrições, a informação sobre os limites impostos pelo plano de manejo e a conscientização coletiva sobre a existência da área protegida.
"Onde a lei estabeleceu as avenidas, descabe ao administrador criar becos; se a lei definiu as vias, deve o Estado pavimentá-las. Ao Judiciário compete remover barreiras, muros e desvios ao livre fluxo da informação administrativa – muito especialmente, a de caráter ambiental. Ou, em termos simples, fazer cumprir a lei, em toda a sua clareza", concluiu o ministro.
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